A situação de pré-falência das Forças Armadas
A insubordinação de parte da tripulação de um navio da Armada, recentemente ocorrida em território nacional, leva-nos a reflectir sobre o estado a que as Forças Armadas chegaram, e que urge denunciar.
Sendo a desconstrução do aparelho militar do Estado uma realidade que há demasiado tempo se vem evidenciado, podemos, no entanto, referenciar o ano de 2011 como a sua data de não retorno, quando em Outubro desse mesmo ano, o MDN em funções, na cerimónia pública do Dia do Exército, em resposta ao discurso do GEN CEME, que chamava a atenção para a necessidade urgente de garantir mais e melhores meios para o cumprimento das missões assignadas ao Ramo, terá afirmado que o valor dos militares portugueses sempre se tinha afirmado, essencialmente, pela sua coragem física face ao inimigo..., parecendo relativizar, deste modo, o apelo lançado pelo Comandante do Exército.
Com esta afirmação, parecia pretender justificar o continuado desinvestimento que se fazia sentir nas Forças Armadas (FA), no âmbito dos respectivos meios humanos e materiais, bem como a falta do cumprimento integral da Lei de Programação Militar (LPM), que define o quadro plurianual da obtenção e aquisição dos equipamentos militares.
A Lei caracterizada por baixas taxas de execução, e alvo de sucessivas cativações impostas politicamente, vinha-se traduzindo em continuados protelamentos de programas de reequipamento nela inscritos, e não raras vezes na própria extinção dos mesmos, realidade que, entretanto, se vem mantendo, até aos dias de hoje.
Desde aquela data, foram-se progressivamente estreitando as verbas orçamentais destinadas à manutenção e operação dos sistemas de armas e equipamentos, muitos deles, já de si, envelhecidos e não raras vezes na senda da obsolescência, limitando de forma grave as capacidades de combate, apoio de combate e de apoio logístico das FA, ao mesmo tempo que se descurou, de forma perigosa, a constituição de reservas de guerra e de munições.
Foi, assim que, chegados aos dias de hoje, o Exército com a sua capacidade aeromóvel abandonada, a sua capacidade blindada nunca completada, o seu programa de viaturas de combate de rodas aquém do planeamento inicialmente aprovado, e com lacunas graves em capacidades estruturantes para o seu desempenho operacional, se debate com sérias restrições no cumprimento do quadro das missões atribuídas.
Enquanto isso, as capacidades oceânica e de reabastecimento e sustentação da Armada, a par das capacidades de busca e salvamento e de transporte aéreo táctico da Força Aérea foram ficando progressivamente debilitadas, pondo em questão a prontidão exigida.
Se a esta realidade, se acrescer a gravíssima situação dos efectivos das FA, que nos últimos anos vêm decaindo, de forma constante, com deficits, actualmente, na ordem dos 30%, e no caso particular do Exército, na ordem dos 50%.
Se considerarmos a desconstrução do Serviço de Saúde Militar, como resultado da extinção mal planeada e pior conseguida dos hospitais dos Ramos, que conduziu a uma progressiva e acentuada insuficiência na prestação de cuidados de saúde aos militares e às suas famílias.
Se atendermos às progressivas limitações na prestação do apoio social aos militares, em particular no domínio da assistência na doença, para a qual, no entanto, descontam o valor definido por lei, nos seus vencimentos,
Se tivermos, ainda, em consideração a tabela salarial dos militares, que situa nos últimos patamares da administração pública a remuneração da sua prestação de serviço, e donde sobressai um valor, em média, inferior entre 15% e 20%, relativamente às forças de segurança.
Então, compreender-se-á melhor a grave dimensão do quadro de limitações e dificuldades com que as FA e os Militares se vêm confrontando para garantir o cumprimento das missões que lhes estão constitucionalmente consignadas, bem como as que derivam dos compromissos internacionais a que o País está sujeito.
Nem o anunciado acréscimo do orçamento da Defesa por parte do governo, relativamente aos últimos anos, pela sua exiguidade, deixará de ser entendido como uma mera falácia para confundir a opinião pública sobre o estado de pré-falência a que as FA chegaram, e que seguramente tenderá a agravar-se, se o governo não inverter, de forma radical, a sua política relativa às FA.
Sem este propósito, o processo da irrelevância e da descredibilização ao qual as FA vão sendo sujeitas no tribunal da opinião pública e no seio da sociedade, seguramente, não poderá ser revertido, concorrendo, de forma inequívoca, para a sua desagregação como instituição matriz da soberania e da independência nacional.
Tenente General (R)