A SIMULAÇÃO DA SIMULAÇÃO

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Afinal onde estás quando te vejo num estádio? Peter Eisenman, o criador do novo Riazor, de tanto nos ver atarantados nas bancadas, observa que "com a tecnologia, já não estamos em lado nenhum". Estimulante, provocador, o autor do Memorial do Holocausto em Berlim e da Cidade da Cultura da Galiza, agora erguida em Santiago de Compostela e que foi pretexto para a recente entrevista ao El País, reafirma o gosto pelo futebol, crescentemente demonstrado no estirador. Ele projectou, inspirado no tronco de um cacto, um estádio monumental em pleno deserto para a equipa de futebol americano do Arizona Cardinals e deslumbrou os adeptos do Deportivo da Corunha com a proposta de um novo estádio já considerado "um ícone cívico e cultural". Na relação harmoniosa que estabelece com o mar, trata-se, dizem os adeptos, de um "estádio único no mundo, tão admirável como a Torre de Hércules". Enquanto se despedem do velho Riazor, cujo primeiro jogo internacional foi um Espanha-Portugal, em Maio de 1945 - que perdemos por 4-2, com golos portugueses de Peyroteo -, os da Corunha são embalados pela promessa de Eisenman: os golos futuros, "cantados com os olhos na praia", serão algo verdadeiramente memorável. Mas, por agora, Eisenman senta-se entre os adeptos e interroga-se: onde é que o olhar deles se perde do jogo, o que é que verdadeiramente desejam ver, tão ávidos das câmaras nos estádios?

O olhar de Eisenman está contaminado pela ideia de que a arquitectura "deve incomodar em vez de acomodar". Ele rebela-se contra a passividade que "está a devorar-nos. As pessoas vão ao campo ligadas ao seu iPod. Quando escutarão os pássaros? Quando saberão o que se escuta na cidade? Tenho dois filhos, vou com eles ao futebol. De 5 em 5 minutos estão a enviar sms. Durante o jogo! Que se passa? Somos incapazes de desfrutar algo que não seja os botõezinhos?", pergunta o autor do novo estádio Riazor. Eisenman vai ao ponto de defender a proibição do uso da tecnologia em público, no mesmo plano da proibição de fumar.

ECRÃ RETRÁCTIL

Não posso estar mais de acordo. Considero que os grandes ecrãs nos estádios são um factor de perturbação. Eles hipnotizam grande parte dos adeptos que parecem lá estar não para ver o jogo mas para serem vistos. A cumplicidade entre as televisões e os adeptos é nivelada por baixo. O que nos é mostrado não é a espontaneidade de um gesto feliz, ou desesperado, mas a multiplicação de emplastros pedindo camisolas. Ousará Eisenman retirar os ecrãs gigantes do futuro Riazor? Tal como concebeu o relvado retráctil, ousará ele retirar o espelho dos paspalhos?|- *TSF

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