A segurança europeia após a Cimeira da NATO em Madrid
No final de junho, 25 anos depois de Madrid ter sido a última sede da Cimeira da NATO, a capital espanhola volta a ser palco de um novo capítulo da segurança europeia. E a Europa, na sua maioria, terá de ser a protagonista. Em última análise, o próximo encontro da Aliança deve ajudar-nos, europeus, a intensificar e assumir as nossas responsabilidades no que diz respeito à segurança do nosso continente. Essa é a melhor e mais necessária contribuição que a Europa pode dar para o futuro da NATO.
O contexto geopolítico de hoje é muito diferente daquele de há um quarto de século. Na sua Cimeira de Madrid de 1997, a NATO convidou três antigos países do Pacto de Varsóvia - a República Checa, a Hungria e a Polónia - a aderirem. Além disso, após a assinatura naquele ano do Ato Fundador NATO-Rússia e o subsequente estabelecimento do Conselho NATO-Rússia, a Europa estava a olhar para um futuro de reaproximação sem precedentes com o Kremlin. Agora, é claro, resta pouco desse otimismo.
A NATO tem-se mostrado indispensável para a segurança da Europa e a melhor garantia da sua segurança nacional para um número crescente de países. Uma das consequências mais importantes da guerra na Ucrânia foi a candidatura da Finlândia e da Suécia à adesão à NATO - dois países com todas as credenciais para contribuírem positivamente para a Aliança. Na sequência da recente decisão dos cidadãos dinamarqueses de aderirem à política de defesa da União Europeia, as instituições que constituem a base da segurança europeia estão a tornar-se cada vez mais alinhadas.
Durante décadas, uma falsa dicotomia entre europeístas e atlantistas alimentou um debate estéril e improdutivo sobre a segurança na Europa. Hoje, poucos duvidam de que os europeus devem contribuir mais para a Aliança e para a segurança europeia, e que devem desenvolver a capacidade de liderar em futuras crises de segurança. A questão, portanto, é como a Europa pode contribuir melhor para a missão da NATO.
Uma Europa forte é indispensável para revitalizar o vínculo de segurança transatlântico. Numa das minhas primeiras reuniões como alto-representante da UE para Assuntos Externos e Política de Segurança, um ex-chefe britânico do Estado-Maior da Defesa, descreveu com pertinência a direção que esse relacionamento deveria tomar. "Uma Europa que permanece aliada dos Estados Unidos simplesmente por causa da sua própria fraqueza é de valor limitado", disse.
Reforçar a relação transatlântica implica reconhecer que a sua componente europeia mudou. Os acontecimentos dos últimos meses mostraram que a UE pode responder às ameaças à segurança de forma coordenada e robusta. Extensas sanções contra a Rússia, financiamento conjunto de fornecimento de armas para a Ucrânia e a mera ideia de reduzir drasticamente a dependência da Europa da energia russa teriam sido impensáveis há apenas alguns anos.
A resposta europeia à invasão da Ucrânia pela Rússia, após as medidas que o continente adotou para mitigar as consequências económicas da covid-19, confirmou que a Europa se torna mais forte em tempos de adversidade. É verdade que a agressão do presidente russo, Vladimir Putin, facilitou a união da Europa. Mas a ambição dos seus líderes é digna de nota, dados alguns dos custos económicos das medidas para a Europa.
A base para o avanço da integração de defesa europeia já existe. Os progressos nos últimos 20 anos na Política Comum de Segurança e Defesa, a experiência das missões civis e militares da UE, o trabalho da Agência Europeia de Defesa e a adoção da Bússola Estratégica colocam a Europa numa posição favorável para enfrentar o desafio.
A disponibilidade dos povos nacionais e das instituições da UE para financiarem projetos conjuntos para reforçar o Setor da Defesa Europeu é um primeiro passo essencial. A recente mudança de política do governo alemão - quase duplicando os gastos com a defesa em 2022, para 100 mil milhões de euros - representa uma oportunidade histórica para financiar projetos com outros parceiros europeus.
E a Alemanha não está sozinha. A guerra na Ucrânia levou os estados-membros da UE a anunciarem aumentos sem precedentes nos gastos com a defesa, totalizando 200 mil milhões de euros nos próximos quatro anos. Esses compromissos contrastam com a lentidão anterior da Europa neste domínio. Nos últimos 20 anos, o aumento percentual nos gastos combinados de defesa dos estados-membros da UE foi três vezes menor que o dos EUA, 15 vezes menor que o da Rússia e 30 vezes menor do que o da China.
Felizmente, a quantidade de gastos militares é menos importante do que a forma como são usados. Devemos gastar melhor, juntos e como europeus. As despesas conjuntas de defesa são mais eficientes do que os esforços nacionais e ajudam a reforçar a base industrial e tecnológica da Europa. O recente compromisso da Comissão Europeia de alocar 500 milhões de euros para compras conjuntas de defesa sugere que a Europa está a ir na direção certa.
Atualmente, a Europa depende de gastos fora das suas fronteiras para 60% das suas capacidades militares. Mais e melhores despesas de defesa devem evitar aumentar a dependência da Europa das indústrias de armas de outros países, pois isso prejudicaria os esforços para alcançar uma maior autonomia estratégica europeia. Mas, embora devamos encorajar o investimento numa indústria de defesa inteiramente europeia, a proposta União Europeia da Defesa da Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, não deve criar novas dependências internas que beneficiem algumas indústrias nacionais na Europa.
O desenvolvimento da Política de Defesa Comum da UE não implica a divisão de responsabilidades no que diz respeito à segurança europeia, nem pretende substituir a função vital que a NATO desempenha. As responsabilidades das organizações que constituem a base do vínculo de segurança transatlântico permanecerão as mesmas. O que importa é assumir essas responsabilidades com todas as nossas capacidades existentes.
O comentador americano Walter Lippmann disse que as alianças são como as correntes: não podem ser fortes com elos fracos. Com a Cimeira de Madrid de 2022 da NATO a decorrer, esta é a melhor forma de descrever o desafio político que se coloca à relação transatlântica. Só a vontade política dos europeus e dos seus dirigentes poderá reforçar a segurança do nosso continente.
Ex-alto-representante da UE para as Relações Exteriores e Política de Segurança, secretário-geral da NATO e ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha, é presidente do EsadeGeo - Centro de Economia Global e Geopolítica e membro distinto da Brookings Institution.
© Project Syndicate, 2022.