A segurança com direito num único livro

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Jorge Bacelar Gouveia acaba de publicar uma obra original em termos portugueses e em termos europeus: um tratado intitulado Direito da Segurança. O livro não só é original: é necessário.

A bibliografia europeia não oferece um manual de direito da segurança. Há muitos tratados sobre segurança interna, sobre segurança no trabalho, sobre segurança alimentar, sobre segurança nuclear, mas faltava um manual que englobasse todos os aspetos da segurança num único texto. Jorge Bacelar Gouveia deu o passo de o escrever. E deu esse passo porque teve a coragem intelectual de propor uma teoria geral do direito da segurança. A maior parte dos estudos sobre segurança tem a elevação intelectual de um "manual de culinária". São conjuntos de receitas que saem da manga do autor prestidigitador à medida que do seu chapéu brota uma infinidade de casos sem conexão uns com os outros. J. Bacelar Gouveia não só arrumou os casos (do terrorista isolado aos grandes batalhes armados) mas procurou desvendá-los graças a uma teoria geral da segurança jurídica que teve a coragem de começar a elaborar. Esta teoria enquadra políticas, militares, bombeiros, serviços de informação, todos os organismos que se ocupam da segurança, no plano do Estado nação e no plano da sociedade internacional.

Porque, como o título indica, este tratado é jurídico. O que contém uma dupla lição. Muitos supõem que a segurança, se for jurídica, é ineficaz como segurança. Daí caem num dilema perigoso: ou não nos defendemos, e seremos varridos, ou nos defendemos, e perdemos a nossa identidade e os nossos valores. Direito da Segurança recusa este dilema idiota e suicida. Pois explica tintim por tintim como o direito e a segurança são compatíveis em todos os patamares em que ocorrem.

Jorge Bacelar Gouveia tem a originalidade de propor um direito de cada um de nós à segurança. A Constituição garante-nos numerosos direitos mas é omissa sobre a segurança. Bacelar Gouveia propõe não só instrumentos para melhorar a nossa segurança coletiva mas também que aperfeiçoemos a segurança de cada um de nós. Ou que o Estado a aperfeiçoe.

O propósito é ousado mas não é temerário. E é necessário. Há hoje mais assassínios em Londres do que em Nova Iorque. Estamos a aproximarmo-nos da nossa mais velha aliada. A queda das organicidades tradicionais implica por si só o aumento dos riscos de segurança.

Talvez Jorge Bacelar Gouveia, numa obra que honra a ciência social portuguesa, vai longe de mais numa resposta individualista a esta questão, desvalorizando a dimensão da segurança como bem coletivo, diferentemente, por exemplo, da televisão por cabo: é fácil que eu receba televisão por cabo no meu apartamento e o meu vizinho não a capte; mas é impossível eu ter um mínimo de segurança contra incêndios e ele não ter nenhuma (embora eu possa melhorar a minha segurança sem o beneficiar a ele). Um dos capítulos do tratado intitula-se "Segurança como Limite aos Direitos Fundamentais". É uma perspetiva tradicional mas justa. Mas valeria a pena desenvolver o tema simétrico: sem segurança não concretizamos nenhum direito fundamental. A lei da selva é o grande inimigo da lei. Seja a lei da selva o terrorismo ou o totalitarismo.

Deixemos de lado estes assuntos demasiado especializados. Jorge Bacelar Gouveia é professor catedrático de Direito na Nova e é ao mesmo tempo uma fogosa e vigorosa vocação pedagógica. Gosta de ensinar e esforça-se por escrever claro conceitos complexos. Além disso, é um prático nestas matérias de segurança, pois presidiu o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa

O autor destas linhas é um dos três especialistas aos quais Jorge Bacelar Gouveia dedica este seu tratado. Mas seria uma perversão da modéstia se, por essa dedicatória, não comentasse publicamente essa obra de que em nada beneficia individualmente. A leitura atenta desta obra valoriza o cidadão que quer participar na República e evitará a muitos dirigentes de forças de segurança tomarem decisões que, relevando de algum tecnicismo especializado, veem a árvore de um dado perigo e esquecem a floresta da ameaça. Dormiríamos melhor com mais direito e com mais segurança.

Direito e Segurança é editado pela Almedina e o leitor acede ao seu índice em http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=45351

Doutorado em Sociologia Política e especialista em Segurança

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