A segunda vida do pavilhão que já foi o orgulho de Lisboa
"Estou a viver no presente o meu passado, a minha história, embora não seja saudosista deu-me muito gozo ir ao meu museu privado buscar cada medalhada, cada diploma, cada fotografia... é um quarto de século de vida dedicado ao atletismo." Carlos Lopes não esconde o entusiasmo pela reabertura, amanhã às 17.00, do pavilhão a que "empresta" o nome desde 1984, ano em que conquistou a medalha de ouro olímpica na maratona.
O Pavilhão Carlos Lopes volta a abrir portas ao público, numa cerimónia que coincide com o 70.º aniversário do antigo atleta e terá a presença do primeiro-ministro, António Costa. O icónico espaço da cidade de Lisboa, com lugar na história de Portugal desde 1921, viu o tempo e a falta de uso transformá-lo num edifício sem vida nos últimos 14 anos.
A dias da reinauguração, Carlos Lopes guiou o DN pelo novo espaço. E ainda, por entre cimento e entulho, caos e nervosismo, confessou ser "um homem feliz" por lhe fazerem "uma homenagem destas em vida". Estava na companhia da mulher e de um dos netos, o Salvador, de 2 anos, e do seu inseparável do monstro das bolachas verde. "Ele já vai percebendo que eu corria e diz-me que qualquer dia me vai ganhar", brincou o ex-atleta olímpico, contente com a nova cara do recinto. "Já viu bem isto? Está tão bonito...", exclamou Lopes, que não é homem de elogio fácil, fazendo um gesto na direção dos torreões da fachada e do Salão Nobre.
Em 2003, o recinto foi obrigado a fechar por falta de condições de segurança e em profunda degradação. De tal forma que o herói nacional que lhe deu o nome se sentiu envergonhado. "Isto não estava em condições de receber grandes eventos, as bancadas estavam mortas, podres, temos de perceber isso, estava descaracterizado, tinha limitações para o público, e é normal que os eventos tenham sido deslocados para outros pavilhões onde havia melhores condições para a prática das modalidades que se fazem hoje em pavilhão, agora como edifício é e sempre foi lindíssimo, num parque verde a perder de vista em pleno centro de Lisboa. Isto são coisas que merecem ser preservadas, e em boa hora o fizeram", desabafou.
O antigo atleta lembra-se de ir lá ver "eventos de culturismo, as Marchas de Lisboa e até comícios". Mas não recorda os tempos em que o espaço recebeu o maior evento desportivo, o Mundial de Hóquei em Patins, em 1947. "Tinha acabado de nascer", brincou, ele que nasceu a 18 de fevereiro, dois meses antes da final do mundial (frente à Bélgica), que foi simultaneamente Europeu e que deu a Portugal os primeiros dois títulos da história. Numa memória mais recente ficaram alguns espetáculos nacionais e internacionais, como o de Nick Cave (1988) e os comícios políticos, como o do regresso de Álvaro Cunhal da URSS (1989)... até cair em desuso e no esquecimento já em pleno século XXI.
A requalificação custou cerca de oito milhões de euros e manteve os traços originais do monumento, património da cidade. Todas as fachadas e elementos de interesse patrimonial foram restaurados, mantendo as suas características originais. A entrada principal, por exemplo, conservou os painéis de azulejos, em azul e branco, que representam marcos da história de Portugal com temas dedicados a Sagres, à Batalha de Ourique, à Ala dos Namorados na Batalha de Aljubarrota e ao Cruzeiro do Sul, produzidos pela Fábrica de Sacavém em 1922 (muito deles roubados durante a década de abandono). Foram também preservadas as esculturas Arte e Ciência, de autoria e execução do escultor Raul Xavier.
O telefonema de Krus Abecassis
Desenhado pelos arquitetos Guilherme e Carlos Rebello de Andrade e ainda por Alfredo Assunção Santos, foi construído no Brasil em 1921 para a Grande Exposição Internacional do Rio de Janeiro, tendo sido inaugurado em 1923. Mais tarde foi transportado de barco para Lisboa e reconstruído, ficando conhecido como o Palácio das Exposições. Depois da II Guerra Mundial, foi convertido para receber eventos desportivos e passou a ser Pavilhão dos Desportos, até receber o nome de Carlos Lopes.
O que aconteceu um ou dois meses depois de conquistar o ouro em Los Angeles, em 1984, quando o antigo atleta do Sporting recebeu um "surpreende e agradável telefonema" de Krus Abecassis, então presidente da Câmara Municipal de Lisboa. "Disse-me: "Estou a pensar dar o teu nome ao pavilhão dos desportos, o que achas?"" Fiquei muito orgulhoso e naturalmente aceitei. Vi a medida com bons olhos, porque é uma coisa que fica para a eternidade", contou antes de revisitar a carreira no mural.
Para o antigo atleta, os momentos ali presentes são todos importantes. "Consigo contar cada um", recordou, antes de dizer que a vida, mais do que a tropa, cuja fotografia faz sucesso, o ensinou "a viver o momento". Mas sem pessimismos: "Nunca me passou na cabeça que podia ir para a guerra ou morrer, sempre pensei em não me preocupar muito com a vida militar. Sentir as coisas do momento e do dia-a-dia. Não vale a pena complicar."
E nenhum momento o fez mais feliz do que o cortar da meta nos Jogos Olímpicos em primeiro lugar. "Se me perguntam qual é o momento mais importante, eu digo, e nem era preciso, toda a gente sabe que foi os Jogos... Se me pergunta que o esperava alcançar quando comecei no atletismo, naturalmente digo que não imaginava." A culpa foi em primeiro lugar dos pais: "Se não me fizeram perfeito, foi quase..."
Patriota assumido, não acredita que haja algum atleta que não sinta a bandeira: "Não há ninguém que não sinta orgulho em representar o país. Eu passei três anos na tropa e todos os dias ouvia o hino, e não me canso de o ouvir e sentir. É um hino lindo de mais para a gente o esquecer, e subir a um pódio nos Jogos Olímpicos e ver hasteada a bandeira é das coisas mais belas que existem."
Agora, passados 33 anos desde esse feito, lamenta que não tenha havido outros Carlos Lopes. Já olhou para algum atleta e viu o próximo Carlos Lopes? "Muitos, muitos...", respondeu, sem conseguir explicar se foi falta de visão do mestre ou falta de capacidade do atleta para chegar a esse estatuto: "Talvez de ambos [risos]. O problema é a conciliação do desporto e a escola, é complicado. Vemos jovens no desporto escolar com talento, mas depois, passado dois, três anos desaparecem, e é uma pena."
O antigo atleta olímpico viu o clube da aldeia (Vildemoinhos) rejeitá-lo por ser "excessivamente magro". Mas não desistiu. Numa correria com amigos, durante a noite para regressar rápido a casa, após um baile, Lopes bateu os rapazes da sua idade que treinavam regularmente e já se dedicavam ao atletismo na altura, o que o fez pensar que podia ter futuro no Atletismo. Depois, em 1967, foi recrutado pelo Sporting e dividia o tempo entre o treino e o trabalho de contínuo no jornal Diário Popular, que lhe "facilitou a vida" ao libertá-lo para treinar duas vezes por dia. Viria a conhecer a glória máxima em 1984, com o ouro olímpico na maratona (2h9m21s, um recorde olímpico até Pequim 2008). Um feito histórico, que lhe valeu a "honra" de dar o nome ao icónico pavilhão municipal do Parque Eduardo VII.
"A oferta de Lisboa fica mais atrativa"
Vítor Costa, Vice-presidente da Associação de Turismo de Lisboa em entrevista ao DN
De que forma a Associação de Turismo de Lisboa aparece, digamos assim, a tomar conta do Pavilhão Carlos Lopes?
A Assembleia Municipal viu na Associação de Turismo de Lisboa o parceiro ideal para o projeto. Já tivemos várias colaborações de sucesso e por isso foi um processo normal e natural até formalizarmos o acordo de cedência de direito de superfície a 50 anos, por 3,5 milhões de euros.
Quanto foi investido na requalificação?
A requalificação do pavilhão, os projetos e os equipamentos ficaram por cerca de oito milhões de euros no total, valor que não contabiliza os 3,5 milhões da aquisição.
Que importância terá o espaço para a cidade e o turismo?
Primeiro é importante lembrar que é um espaço icónico e um equipamento muito enraizado na memória dos lisboetas, seja por eventos desportivos, políticos ou culturais. Estava abandonado desde 2003 e era importante restaurá-lo para que voltasse a ter vida e dar a Lisboa mais um espaço atrativo para receber eventos, tornando a oferta da cidade mais atrativa e diversificada.
Que eventos estão já agendados para o Pavilhão Carlos Lopes?
No sábado [amanhã] será inaugurado o espaço, com entrada livre, que terá uma exposição permanente sobre Carlos Lopes e uma instalação multimédia sobre os 20 anos do Turismo de Lisboa, em exposição até 18 de março. Depois o primeiro acontecimento será um festival gastronómico - o Peixe em Lisboa - de 30 de março a 9 de abril. E a ModaLisboa de outubro também será lá... Não há propriamente uma programação, mas estamos a ser procurados para muita coisa, o espaço está a despertar muito interesse e curiosidade.
Que memórias tem das antigas vidas do pavilhão?
Tenho várias. Fui lá a comícios políticos, um deles foi o do Salgado Zenha como candidato à Presidência da República. Assisti lá também ao discurso de Jorge Sampaio, que viria a ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Lembro-me de ver lá o concerto dos Sétima Legião e assistir com entusiasmo às Marchas Populares, quando trabalha