A Saúde em 2023
O ano de 2023 vai colocar novos desafios no âmbito da Saúde, tendo por base problemas antigos aliados a novos paradigmas decorrentes de uma reforma fulcral na qual o Governo deposita enormes esperanças de transformação no país: a descentralização de competências do estado central para os municípios. As competências que passam da Administração Central para a Administração Local visam essencialmente o planeamento e a manutenção do edificado, como já foi diversas vezes aflorado durante este processo, sendo sempre de realçar a justa reivindicação dos autarcas relativamente a um envelope financeiro que não se coaduna com as novas responsabilidades assumidas.
Com a entrada em funções da nova equipa da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), esta nova orgânica acarreta em si uma elevada e justa dose de esperança em função do perfil do novo Diretor Executivo e da equipa por si escolhida. Por outro lado, coloca de novo em debate a pertinência da existência das Administrações Regionais de Saúde (ARS), em função do papel que o Governo pretende que as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional venham a desenvolver com a Saúde. A isto, podemos somar o problema evidente no que respeita a uma certa entropia no sistema, no que sobressai a coexistência da Administração Central dos Serviços de Saúde e dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, e suas respetivas competências, o diálogo necessário que deve ser ainda mais determinante, bem como, o referido papel das ARS nesta nova vida do SNS e neste processo de descentralização que entra agora em vigor.
Um aspeto que me parece fundamental e que, espero, os municípios tenham acautelado, principalmente naqueles cujo impacto financeiro destas novas competências mais se irá refletir no seu orçamento, tem precisamente a ver com a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Tendo sido o edificado um dos pontos mais importantes no acordo da descentralização de competências entre o estado central e os municípios, é indispensável que os autarcas reivindiquem junto da tutela que os edifícios que agora ficam sobre a sua alçada cumpram todas as normas de licenciamento preconizadas pela ERS, e que não estejam agora sujeitos a avultadas despesas em virtude dessa verificação não ter sido feita atempadamente.
Ainda no âmbito destas novas competências, os Municípios passam a ser obrigados a ter Estratégia Municipal de Saúde, alinhada com o Plano Nacional de Saúde e os Planos Regionais de Saúde. Nesse sentido, são já vários os que, durante o ano de 2022, elaboraram e aprovaram a sua Estratégia Municipal de Saúde. Ora, tendo por base a pertinência do alinhamento da referida estratégia local com os planos regional e nacional, o pioneirismo de alguns municípios e o atraso de outros na elaboração da sua estratégia municipal de saúde poderá levar a que não exista essa desejável colaboração intermunicipal. O papel a desempenhar pelas associações de municípios e as comunidades intermunicipais é fundamental por forma a conseguir fazer este alinhamento. Nesse sentido, as Unidades Locais de Saúde (ULS), uma aposta da Direção Executiva do SNS, concretizam a integração de cuidados de natureza vertical, reunindo numa única entidade e com a mesma gestão, diferentes níveis de cuidados. A criação das novas ULS"s recentemente anunciadas estão a ser concebidas em colaboração estreita com os municípios, pelo que, promovem o diálogo e uma visão territorial por forma a serem criadas equipas de gestão de base territorial. A transferência progressiva de competências para a administração desconcentrada da saúde e para os municípios
pode ser, se bem executada, uma forma de envolver a comunidade local que se sente hoje afastada da administração do seu hospital e centro de saúde, o que acaba por dar origem a que adotem posturas reivindicativas bem justificadas.
Para que estes desafios consigam obter o sucesso desejado, é necessário ter em atenção as expetativas dos profissionais de saúde. Vem a propósito um estudo recentemente divulgado pela Ordem dos Médicos, a qual, auscultando os seus associados no âmbito do relatório sobre o futuro da saúde, confirma que um dos aspetos negativos identificados está relacionado com o facto do sistema de saúde dever vir a ter muitas dificuldades em se reinventar, permanecendo semelhante ao que temos atualmente: ancorado no papel predominante do Estado, sem capacidade de atrair recursos financeiros e qualidade de gestão necessárias à inovação e à qualificação e valorização dos seus recursos humanos. É imperioso contrariar estas perspetivas futuras!
Definitivamente, precisamos que as referidas mudanças implementadas e as demais medidas anunciadas sejam verdadeiras reformas há muito desejadas. Precisamos que se mude, mas que tudo não fique na mesma...
Médico Dentista