A robótica segundo Leonel Moura
Se Leonel Moura já era conhecido nos meios artísticos internacionais de vanguarda desde o início da década, por causa dos seus "robots pintores", a verdadeira explosão de celebridade - chamemos-lhe assim - só se deu este ano, quando em Junho inaugurou, no jardim central de Alverca, o Robotarium.
E o que é ao certo esse inédito "zoo para robots" que tanto entusiasmou a imprensa de todo o mundo (do La Repubblica ao Der Spiegel, do Globo ao La Stampa, da New Scientist à Wired)? É, nas palavras de Leonel Moura, "uma ideia forte com produção simples". Dentro de uma estrutura geométrica irregular, feita em vidro e aço pintado de amarelo, o artista juntou 45 robots alimentados a energia solar, pertencentes a 14 espécies com direito a nome em latim: Pendeopseudosaurus, Reptumpacatus, Protopedis, Superinflatus, etc.
Esta classificação, que deixaria Lineu à beira da apoplexia, corresponde a diferentes características morfológicas, criadas por Moura com o afã de um demiurgo. Para o artista, este microcosmos está longe de ser uma mera instalação ou curiosidade para maluquinhos por gadgets, antes se perfilando como um exemplo de verdadeira "vida artificial" e uma "visão artística do futuro".
Além de mostrar os caminhos que conduziram até esta criação pioneira, que em breve será prolongada por "projectos similares um pouco por toda a parte", o livro Robotarium X (sendo X uma referência ao concelho que alberga o projecto) pretende contextualizar e teorizar a evolução da robótica através dos tempos. Moura, depois de assumir que nunca se interessou muito por robots (Maria, a mulher metálica do filme Metropolis, de Fritz Lang, a quem o ensaio é dedicado, terá sido a excepção), traça de forma concisa mas bastante clara a história da atracção humana por máquinas autónomas, começando no pombo mecânico do grego Archytas (séc. III a. C.) e seguindo por aí fora. Fala-se de Al-Jazari, Leonardo da Vinci, Vaucanson e das Machina Speculatrix, de William Grey Walter (anos 40), influência decisiva para muitos dos avanços posteriores da robótica, entre os quais o surgimento da família BEAM (Biology, Electronics, Aesthetics e Mechanics), capaz de mimetizar processos e formas da natureza. É a esta família, de resto, que pertencem a maioria dos habitantes do Robotarium.
Das reflexões sobre as potencialidades ainda por explorar da inteligência artificial, Moura salta para o campo da arte, procurando legitimar o trabalho estético dos seus robots pintores (como o RAP) ou poetas (como o ISU) na necessidade de uma mudança de paradigma que resgate a arte contemporânea ao seu actual "processo de erosão conceptual". A fé num "reboot" teórico e no "impulso libertário" que podem trazer as novas tecnologias peca, porém, pelo esquematismo da argumentação.
Para Moura, o que limita a criatividade, hoje, é a ignorância e a "incapacidade prática". Impõe-se, por isso, aumentar a inteligência, "individual e colectiva". E isto só acontecerá se houver "confronto de distintas inteligências". Ou seja, se os humanos se unirem àquilo em que se hão-de tornar as espécies robóticas (por enquanto incipientes) na criação da Natureza 3.0, que sucederá aos mundos Natural (1.0) e Urbano (2.0). Utopicamente, Moura acredita que nesse futuro mundo artificial haverá "amplificação da inteligência" e a solidão humana chegará ao fim. Resta agora saber se o artista é assim tão ingénuo ou se a sua tese é uma blague.|