A revolução das barricas e das facas
A pequena aldeia de Palaçoulo, no concelho de Miranda de Douro, fez uma revolução industrial a partir de produtos artesanais que lançou no mundo, apesar do seu isolamento geográfico num recanto de Portugal. Do saber de gerações nas áreas da cutelaria e da tanoaria, Palaçoulo desenvolveu uma actividade industrial que emprega "uma boa parte" dos seus 600 habitantes e tem clientes em destinos tão longínquos como a Nova Zelândia.
As exportações, as fábricas e a inovação fazem desta aldeia raiana um "ilha" em termos de indústria no Nordeste transmontano, desenvolvida a partir dos recursos locais como o artesanato e a pureza ambiental. São as condições naturais que distinguem a tanoaria J. M. Gonçalves, a segunda no mundo com certificação do processo de secagem da madeira para os pipos de vinho, depois da francesa Tarrasaud.
Esta sociedade de seis irmãos decidiu expandir o negócio de família, investindo 2,5 milhões de euros num complexo industrial com tecnologia de ponta, em que a maior parte dos cinco hectares que ocupa se destinam à secagem da madeira. Com o lema "da floresta à adega, um percurso sempre controlado", a pureza ambiental da zona é a sua bandeira , já que garante que nenhum foco de poluição contamina a madeira, que pode adulterar o vinho.
250 a 600 euros por barrica
A tanoaria aposta "em clientes especiais", que pagam de 250 a 600 euros por uma barrica de 225 litros, destinada a alguns dos vinhos mais prestigiados do mundo. Emprega 40 pessoas e exporta 80% das 12 mil a 13 mil unidades que produz por ano para países como França, Itália, Espanha, África do Sul e Nova Zelândia.
A estratégia passa por seguir a rota da rolha da cortiça, segundo explica Abílio Gonçalves, que se licenciou em enologia para seguir o negócio de família. "Onde há clientes para a rolha, há para os pipos", afirmou.
A poucos metros fica a "Rua da Indústria" onde prosperam pequenas unidades de cutelaria, que dão emprego a mais de cem pessoas, entre elas uma das maiores e mais antigas, a FILMAM (filhos de Manuel António Martins), que herdou o no-me do "pai" desta pequena revolução industrial em Palaçoulo.
Aos 85 anos, Manuel "Simão", como é conhecido, recorda "a luta que foi" substituir os malhos, com que eram moldadas as tradicionais facas "palaçoulas" desde o tempo do seu bisavô, em 1870, pela mecanização. Nos anos 60, aceitou ser presidente da junta com a condição de instalarem electricidade na aldeia e conseguiu concretizar "um sonho de sempre: industrializar a actividade".
15% do mercado nacional
Comprou as primeiras máquinas em Espanha e foi para lá que iniciou as exportações. Começou por vender a feirantes e nas romarias frontei- riças da Senhora da Luz (Miranda do Douro) e da Senhora da Ribeira (Quintanilha/Bragança). "Não eram exportações documentadas", recorda Domingos Martins, um dos actuais três sócios da empresa, mas "foi assim que apareceram interessados do outro lado da fronteira", que absorvem 40% das cerca de 1700 facas produzidas diariamente.
Criaram postos de venda ao longo de toda a fronteira, de Vila Real de Santo António a Chaves, e conquistaram outros mercados, embora em menor escala, em países de língua oficial portuguesa, França e Alemanha. Têm hoje uma quota de cerca de 15% do mercado nacional da cutelaria, o que entende "não estar mal", tendo em conta a região em que estão localizados. Têm 25 postos de trabalho permanentes e contam com três registos no instituto nacional de patentes, graças a uma particular faca com lâmina e garfo, outrora utilizada nas refeições no campo. *Jornalistas da Lusa