A revolução chega ao museu Berardo
Trabalhadoras chinesas que confeccionam roupa para o Ocidente colocam mensagens escondidas nas etiquetas.Mensagens de desespero ou de apelo enviadas como as que se colocam em garrafas e se atiram ao mar.
A artista polaca Malgorzata Markiewicz descobriu esta história e transformou-a numa obra que junta escultura e fotografia.Intitula-se Smuggler Whisper e é uma das peças que compõem a exposição Tudo o que é sólido dissolve-se no ar: o social na colecção Berardo, que se inaugurou ontem, no museu Berardo em Lisboa.
A mostra, que se apropria de uma frase escrita por Karl Marx e Friederich Engles, na obra Manifesto do Partido Comunista, "procura tematizar a crise na sociedade contemporânea através da relação entre arte e ideologia", ex- plica Miguel Amado, comissário desta iniciativa, que junta peças do acervo da colecção Berardo com outras de artistas convidados.
"A luta continua", dizem-nos as cerca de 100 obras escolhidas, todas elas ligadas a movimentos revolucionários, quer políticos quer artísticos. São pinturas, esculturas, desenhos e fotografias, filmes, cujo objectivo, diz o comissário, "é mostrar que há formas de resistência, novos olhares e novas práticas que apontam para a necessidade de continuar a lutar por utopias".
Das vanguardas modernistas da primeira metade do século XX, representadas por um Picasso de 1909, obras de Diego Rivera, Frida Kahlo, Rodchneko, entre outros, passando pelo período pós-guerra, pelo surrealismo, a pop art até aos movimentos pós- queda do muro de Berlim, esta exposição está organizada de forma a colocar em "diálogo diferentes discursos artísticos, e mostrar que a arte não é apenas um meio fruição estética mas é também uma acção política e uma forma de intervenção social", frisa ainda Miguel Amado.
O percurso faz-se ainda por entre um conjunto de artistas plásticos portugueses como Julião Sarmento, Joana Vasconcelos, Ângela Ferreira, uma antologia do trabalho do colectivo Sparring Partners, formado por Alice Geirinhas, Pedro Amaral e João Fonte Santa.
Como surge esta exposição no coração de um museu criado por um homem (Joe Berardo) que é um dos rostos dessa mesma sociedade capitalista?" Não foi fácil", admite Miguel Amado. Porém, a arte não pode "ficar de fora a olhar o que se passa, a arte, nomeadamente os museus fazem parte dessa engrenagem do dinheiro", declara ainda.
Este olhar social lançado sobre a colecção Berardo procura também questionar o próprio funcionamento dos museus, "os quais agem como empresas e estão mais interessados nos números e menos no potencial humanista da arte", conclui.