A revolta nas Antilhas francesas

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"Guadalupe é nossa, Guadalupe não é deles", desde meados de Janeiro que a canção improvisada por um poeta de Pointe-a-Pitre é entoada com uma solenidade de hino nacional, durante as maiores manifestações de sempre do pequeno arquipélago francês das Caraíbas. À frente dos protestos e da greve geral contra o custo de vida, o líder do colectivo LKP "contra a exploração", Elie Domota, não hesita em denunciar a herança de "400 anos de colonização francesa" enquanto ostenta uma T-shirt com o número 1802, a data em que Napoleão restabeleceu a escravatura.

Nos bairros de lata da capital, as semanas de protestos e negociações falhadas com o governo francês são acompanhadas por cenas de violência. Grupos de jovens atacam edifícios oficiais e lojas dos chamados "békés", os descendentes dos colonos franceses. Um deles afirmava há dias ao Libération: "Somos vítimas de uma escravatura mental que nos acorrenta com novas cadeias: o consumo, a perda de identidade, a submissão às regras dos grandes capitalistas."

Mas o clima de insurreição anticolonialista revela antes de mais o fosso que continua a separar a "metrópole", dos "territórios ultramarinos franceses". Elie Domota traça o retrato de um território de "cidadãos de segunda", mergulhado há décadas no desemprego, na pobreza e na discriminação racial, distante dos direitos dos restantes departamentos franceses e sujeito a leis coloniais como "o imposto de concessão marítima" sobre todas as importações e exportações.

A lista de reivindicações do LKP não faz qualquer referência à independência, mas a um aumento salarial de 200 euros para 40 mil trabalhadores carenciados e a uma série de medidas contra o "monopólio" dos "békés" sobre a economia da ilha. Sessenta e três anos depois da França ter concedido o estatuto de departamento à colónia, Guadalupe continua a depender economicamente das grandes explorações agrícolas de banana e cana-de-açúcar controladas pela população branca, que domina os restantes sectores de actividade como os supermercados.

Para o antropólogo e sociólogo do desenvolvimento, Nicolas Rey, descendente de uma família antilhesa e investigador do processo pós-colonial nas Caraíbas, "as razões da revolta são económicas e identitárias, porque a pobreza, desemprego e falta de desenvolvimento nas ilhas está relacionada com a ausência de direitos e oportunidades iguais às dos cidadãos da metrópole".

Se em Guadalupe e na Martinica os salários são em média 40% inferiores aos do continente, os preços são 30% mais elevados e o desemprego atinge um quarto da população. Os bairros de lata foram substituídos por bairros sociais a partir dos anos 70 em toda a França, mas continuam a fazer parte do cenário dos subúrbios pobres da ilha. Uma situação que dura há décadas mas que se transformou num quebra-cabeças para Nicolas Sarkozy, que demorou um mês a reagir à situação.

O Presidente francês, que até hoje se recusa a privilegiar os aumentos salariais para combater a crise económica, anunciou na quinta-feira um investimento suplementar de 580 milhões de euros nos territórios insulares. Elie Domota considera as propostas do Governo como "demasiado vagas" e a "tempestade tropical" ameaça agora o outro lado do Atlântico.

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