A (resiliente) endogamia académica portuguesa

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As espécies animais que procriam entre si estão mais suscetíveis à extinção porque possuem um ADN menos variável e um potencial de adaptabilidade mais fraco. Este é um facto cientificamente provado desde os tempos de Darwin. E segundo um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, as universidades públicas portuguesas podem padecer do mesmo mal. A conclusão é que a maioria dos docentes doutorados que ocupam posições de carreira nas universidades públicas portuguesas doutoraram-se na mesma instituição de ensino superior que lecionam (68%).

Este problema parece tanto maior quanto maior a dimensão histórica da universidade. Os resultados do estudo demonstram que as tradicionais Universidades de Lisboa, Coimbra e Porto ocupam três dos quatro primeiros lugares do ranking de endogamia académica; no que concerne a unidades orgânicas, as Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra possuem valores de endogamia académica de 99% ou 100%, respetivamente. Quer isto dizer que nestas instituições nunca foi selecionado um candidato de fora.

As universidades portuguesas parecem comportar-se como famílias fechadas, com passwords de acesso partilhadas somente aos seus, que não permitem a entrada a estranhos. Estes resultados revelam uma deturpação do espírito dos concursos, dando razão àqueles que acusam as instituições de fazerem "editais à medida dos seus". A meritocracia parece não ser o fator determinante nos concursos a posições académicas de relevo. Prevalece a regra do "quem lá está é quem lá fica".

Uma potencial explicação para este fenómeno reside no modelo de governança das instituições de ensino superior vigente em Portugal. Para efeitos de progressão na carreira, existe um enviesamento sobre a dimensão científica dos docentes medido pelo seu número de artigos publicados. Isto promove que alguns dos nossos académicos, no intuito de assegurarem as suas (justas) ambições de carreira, o façam de forma perversa garantindo que, por um lado, os colegas que entram nas suas universidades são seus ex-orientados de doutoramento e prosseguem publicando com o seu nome em coautoria e que, por outro, a decisão colegial nos órgãos de gestão académica continua maioritariamente influenciada "pelos seus" e não "pelos dos outros".

Os resultados de endogamia académica devem ser encarados com extrema preocupação, pois as nossas universidades deveriam ser os principais motores da inovação e competitividade de Portugal. Nos Estados Unidos, por exemplo, o valor de endogamia académica é de aproximadamente 15%, demonstrando uma rota absolutamente divergente da realidade portuguesa. Fica subjacente nos resultados deste estudo que a investigação feita por alguns dos nossos docentes universitários não tem como mote a produção de conhecimento, mas sim a conquista de uma posição profissional permanente na instituição de ensino superior mais perto das suas casas. Desta forma se explica a razão pela qual a produção científica dos nossos docentes decresce após a sua entrada para os quadros das universidades.

Temos de ser nós, académicos, aqueles que realmente entendemos o impacto que a investigação deve ter no desenvolvimento do nosso país, os primeiros a combater esta realidade. É a reduzida competitividade das nossas universidades que está na essência dos nossos reduzidos ordenados. Escolhemos, de forma conservadora, defender cada vez menos, em vez de atacar, de forma audaz, cada vez mais.

Professor e Gestor Académico

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