A rentrée mais aborrecida de sempre?
Como uma peça de teatro onde cada um sabe bem o seu papel, corre sem sobressaltos esta rentrée política que é a antecâmara de uma campanha eleitoral. Sem sobressaltos no sentido do que se esperava - que já é um tanto ou quanto inusitado. O que se passa é que o partido do governo não demonstra nenhum desgaste - e tem conseguido, sem oposição, traçar o caminho e, até, condicionar a narrativa. Fala, não falando - ou talvez seja ao contrário, não falando, fala - em maioria. Desguarnecido à direita, ataca a esquerda, os seus ex-companheiros e agora último obstáculo a essa maioria.
Por seu lado, o Bloco de Esquerda e o PCP contam a história do seu ponto de vista: enaltecendo a exceção portuguesa ao fazer sucesso de uma coisa que começou por ser desdenhada e chamada, negativamente, geringonça.
O PSD vagueia, entre um subtexto de bloco central, que o seu líder, inegavelmente, namora - nem que seja como ideia teórica - e a dificílima tarefa de fazer frente a um governo que, tendo perdido eleições, foi hábil em colocar-se ao centro. O PS usou as causas e os costumes do centro-direita, como contas certas, rigor, e baixar de impostos, e as da esquerda, como o desapertar do garrote, explicando que havia outra via para pôr a economia a andar. Agarrou também nas questões culturais - de que o fenómeno das casas de banho é apenas o último episódio - e as outras, como os transportes públicos, os livros grátis, o aumento de pensões.
Há ainda uma outra questão de que só as teses de mestrado sobre comunicação falarão: Rui Rio tem péssima imprensa. Que ele próprio ajudou a criar, é certo, acirrando guerras com jornalistas. Mas que também lhe calhou na rifa ao tornar-se líder com uma bancada parlamentar hostil - e quem não sabe pode intuir onde se constroem muitas das intrigalhadas.
Em todo o caso, Rui Rio entra nesta rentrée decisiva colado à sua figura de papel: o estereótipo do político antiquado, zangado e pouco eficiente. É de tal modo negativa, a imagem, que abafa até as inovações e os sinais positivos, como a ideia de fazer listas inovadoras e dar uma vassourada no parlamento. Não lhe será fácil desmanchar o figurino - é o que dizem, pelo menos, as sondagens. Veremos como regressará de férias.
Será do CDS a tarefa talvez mais complexa. Uma líder mais desgastada - vem do anterior governo - com uma crescente oposição interna e que ruma contra os tempos (que não estão fáceis à direita). A pressão do populismo será no CDS a ter maior efeito. Cristas também ziguezagueou, agitando bandeiras desse género, como a corrupção. A campanha para as europeias correu-lhe mal, e foi por causa dessa tensão.
E dentro do CDS há essa pressão da direita menos humanista e mais populista, que nenhum partido hoje é uma ilha. Cristas sabe disso e tenta a todo o custo dar a imagem moderna e moderada. Que é a dela - apesar da vivência conservadora. Mas não é fácil parar o vento, e às vezes as mãos não chegam, por muito bonitas que sejam. Cristas, que se afirma feminista, recusa jogar a cartada feminina - o que diz também muito da sua força interior. Mas está, visivelmente, em dificuldade - e terá de mostrar para que serve o voto no CDS, algo difícil quando a esquerda está no poder.
Será nos pequenos e insondáveis - no sentido de imprevisíveis nas sondagens - partidos que residirão as surpresas - da rentrée e das eleições que ela prepara. Que o PAN irá crescer poucos duvidam. Este, não por acaso, tem sido o partido que melhor tem lidado com a avidez dos media - e das redes sociais - em agarrar em causas e temas polémicos. Já não é o partido dos animais, e ainda nesta semana, ao apresentar o seu programa, focou-o nas alterações climáticas - não sendo esse o seu desígnio inicial. E, pasme-se, até apresentou um programa para a cultura. E os outros? Eleger-se-á Santana Lopes, apesar da desatenção dos media de que se queixa? E o que fará Pardal Henriques ao PDR?