A remodelação, a oposição e o responsável por isto

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Um Orçamento e um secretário de Estado depois, António Costa executou uma remodelação sem mácula. As críticas ao processo, para ser franco, roçam a gratuitidade. Gastar cartuchos de oposição com secretários de Estado nacionalmente anónimos não merece um ponto de sondagem.

António Mendonça Mendes, para quem não tenha reparado, já era membro do governo e irmão de Ana Catarina Mendes antes desta semana e, mais do que provavelmente, já se havia sentado no Conselho de Ministros como titular dos Assuntos Fiscais. Que eu tenha dado conta, ainda ninguém é constituído arguido por isso. Poderão dizer-me, aí com razão, que o governo quebra um princípio instituído pelo primeiro-ministro, tornando a contar com um núcleo onde constam ligações familiares. Não é mentira. Apenas a consequência de um partido de poder exposto excessivamente à sua vocação. Em política, o passar dos anos é quase inevitavelmente proporcional ao acumular de incoerências.

Costa, a meu ver, bem, segurou um ministro da Economia que conta com simpatias empresariais e académicas, mas, muito mais do que isso, enviou um sinal a todos os secretários de Estado com ganas de engolirem os respetivos ministros. A mensagem não é tanto de confiança à independência de Costa Silva, que deve ser um verdadeiro enfado de gerir, mas à orgânica de um executivo onde já há demasiada gente a correr em pista própria. O secretário de Estado da Economia, agora exonerado, sai após uma falsa partida. A artimanha do deputado Carlos Pereira - felizmente outro anónimo -, que procurou colar Costa Silva ao PSD com uma pergunta em plenário, escapou impune.

Como uma busca rápida confirma, não foram só os secretários de Estado de Costa Silva que contradisseram Costa Silva aquando das suas propostas de alívio fiscal (em setembro) ou sobre a taxação extraordinária do setor da Energia (em abril). O ministro das Finanças, o líder parlamentar do PS, o novo braço direito do primeiro-ministro e o próprio António Costa descartaram amiúde as hipóteses levantadas por Costa Silva; no fundo, defendendo o programa eleitoral com que o PS ganhou a sua maioria absoluta. A questão é que nenhum, contrariamente aos secretários de Estado remodelados, integrava a equipa do ministro.

A remodelação foi feita no tempo certo, pelos motivos certos e, até ver, com os convites certos depois da tempestade de Miguel Alves. Com oito demissões em sete meses, e mexidas em cerca de 20% do elenco, o governo suspira pela estabilidade interna que a conjuntura exige. Ao fim de dois Orçamentos, um pacote de medidas extraordinárias, um acordo em concertação social e outro com a Função Pública, as sucessivas tentativas de recomeço em tão curto espaço de tempo findaram por demérito de quem governa há demasiado.

Nenhum anúncio ou remodelação materializará o restart que António Costa, mês a mês, foi procurando. As demissões nas urgências em Almada e no Amadora-Sintra três meses depois da substituição de Marta Temido são um exemplo concreto disso. Para usar uma expressão popular, estamos em águas de bacalhau. Nem no "fim de ciclo" que a oposição anseia, nem no "início de algo" que o novo governo não chegou a representar.

Curiosamente, o responsável desta anormalidade sistémica - um fim que durará tanto a acabar - é raramente mencionado. Mas não é difícil identificar quem demolhou o regime e o deixou em tão tépido alguidar. Foi o dr. Rui Rio, inexistente líder da oposição e insuficiente candidato a primeiro-ministro, que entregou os próximos quatro anos a uma maioria absoluta. O PS, amarrado ao tempo que lá passou, e o PSD, ao tempo que ainda falta passar, devem-lhe isso.

O país não lhe deve nada.

Colunista

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