A reinvenção do Sinn Féin como partido antiausteridade
Nas legislativas de 26 de fevereiro, os eleitores irlandeses castigaram aquilo a que Gerry Adams, o histórico líder do Sinn Féin, chama "os três partidos do establishment". O conservador Fine Gael, partido liderado pelo atual primeiro-ministro, Enda Kenny, ficou em primeiro com 25,52% dos votos e 50 deputados eleitos (menos 26 dos que conseguiu em 2011). O Fianna Fáil, de centro-esquerda, conquistou a segunda posição com 24,35% e 44 eleitos no Parlamento (mais 24 do que nas eleições anteriores). E os trabalhistas do Labour, que até agora governavam em coligação com os conservadores de Kenny, foram relegados para o lugar de quarto partido mais votado com 6,61% e sete deputados, ou seja, menos 30.
Fine Gael e o Labour foram os partidos que executaram o programa de resgate da troika e, mesmo se, no final de 2013, a Irlanda se tornou o primeiro dos países intervencionados a sair do resgate sem recurso a programa cautelar, foram castigados por causa de toda a austeridade imposta. A recuperação económica de que fala Enda Kenny, com um crescimento de 7%, parece não se sentir de forma igual em toda a Irlanda. O Fianna Fáil, liderado por Micheál Martin, foi o partido que pediu o resgate de 67,5 milhões de euros em 2010. Agora, os dois maiores partidos políticos da Irlanda, Fine Gael e Fianna Fáil, não somam, juntos, 50% dos sufrágios expressos pelos eleitores, num escrutínio em que a taxa de participação foi de 65,1%.
Em face do resultado inconclusivo destas eleições legislativas - em que nenhum partido ou combinação de partidos óbvia obteve maioria absoluta num Parlamento com 158 deputados -, a Irlanda prepara-se agora para longas semanas, senão meses, de incerteza. Especula-se sobre a possibilidade de uma grande coligação entre conservadores e centro-esquerda. Tal aliança entre os herdeiros dos dois lados que se opuseram durante a guerra civil em 1922 e 1923 seria sem precedentes. A não haver um acordo de governo estável, poderia haver eleições antecipadas ou a meio da legislatura, admitiu aos deputados do Fine Gael o ministro das Finanças, Michael Noonan, segundo noticiou a semana passada o jornal 'Irish Times'.
A subida do Sinn Féin nestas legislativas de 26 de fevereiro, passando de 14 para 23 deputados e tornando-se a terceira força política da República da Irlanda, é um dos reflexos da revolta dos eleitores contra o establishment. O partido que desde 1983 é liderado por Gerry Adams, de 67 anos, parece ter conseguido reinventar-se como partido antiausteridade. Embora seja bastante diferente do Syriza e do Podemos, formações partidárias que, na Grécia e na Espanha, mereceram a confiança dos eleitores em detrimento dos partidos por norma dominantes.
As raízes do Sinn Féin (expressão gaélica que significa Nós Mesmos) remontam a 1905. O partido atual resulta de múltiplas cisões. Além do Parlamento da Irlanda (em gaélico Dáil Éireann), há deputados do Sinn Féin no Parlamento da Irlanda do Norte (província autónoma do Reino Unido) e no Parlamento Europeu. O partido também tem lugares de deputado na Câmara dos Comuns britânica (embora nunca os ocupe). Durante mais de três décadas, o Sinn Féin foi sinónimo de IRA, grupo armado que lutava pela força das armas contra o domínio britânico da Irlanda do Norte e defendia a união da ilha irlandesa. E é isso que continua a ser para muitos irlandeses. Mesmo os que estão zangados por causa da austeridade. A esses, Gerry Adams e seus aliados, como Mary Lou McDonald, vice-presidente do Sinn Féin e sua possível sucessora na liderança do partido, procuram convencer de que os tempos são de mudança.
"Esta é uma oportunidade histórica para, pela primeira vez na história, eleger um governo progressivo", disse Gerry Adams, durante um ato de campanha em Dublin, ao lado de Mary Lou McDonald. "Há uma escolha entre os círculos dourados e as pessoas. Oferecemos aos irlandeses uma oportunidade de reverter a austeridade, oportunidade para ter justiça e decência", sublinhou o líder do Sinn Féin, que durante o último debate entre os candidatos às eleições apelara a um levantamento popular pacífico contra o establishment. O protesto do eleitorado aconteceu. Resta agora saber o que fazer com ele.