Os deputados da Comissão Parlamentar para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas já estão numa fase avançada da regulação da representação de interesses (vulgo: lobbying). Embora faltem acertar muitos detalhes, e nada tenha sido votado, parecem já começar a desenhar-se consensos a três - PSD, PS e CDS - para que venha a ser aprovada algum tipo de regulação. Entrou agora um projeto da JSD no mesmo sentido, que será analisado na comissão para tentar um consenso mais alargado..O deputado socialista Pedro Delgado Alves confirmou ao DN que os trabalhos de discussão em torno dos projetos de lei "estão muito avançados" e a intenção é a de "começar as votações em janeiro". Votações para que se chegue a um projeto comum, o mais consensual possível, e fundir os projetos do CDS, PS e agora da JSD que chegou um pouco "extemporâneo", refere o deputado..A atividade faz-se atualmente em Portugal sem nenhum tipo de enquadramento legal - ao contrário do que acontece, por exemplo, na União Europeia, onde há muito foram definidas regras para os contactos entre quem quer influenciar a definição de políticas públicas e quem as define e decide..A primeira iniciativa legislativa foi do CDS - e a isso não terá sido alheio o facto de dois militantes do partido, um deles ex-deputado, terem em Bruxelas uma empresa de lobbying. E depois o PS também avançou. Embora sem ter apresentado nenhum projeto. A JSD entra no jogo já numa fase adiantada da discussão com dois mecanismos para regularizar a atividade de representação de interesses: um sistema de registo de lobistas e uma agenda de todas as interações que estes têm com as entidades públicas..Contra a regulação do lobbying só o Bloco de Esquerda e o PCP, que recusam a ideia de que o Estado deve legitimar por via legislativa a representação de interesses que, em seu entender, vão muitas vezes contra o interesse geral dos cidadãos e visam apenas clientelas particulares..O que é a "pegada legislativa"?.Mas, discussões já realizadas, tornou-se evidente que há superfície de acordo para, por exemplo, criar mecanismos de vigilância da chamada "pegada legislativa"..Dito de outra forma: obrigar por via legislativa as entidades públicas a terem registos dos contactos que mantêm, nomeadamente com entidades privadas, nos processos de definição e concretização de políticas públicas. No fundo, o que se quer saber é quem tentou influenciar quem num processo, por exemplo, legislativo..Há, porém, uma importante diferença de pontos de vista entre os dois partidos com iniciativas legislativas apresentadas, o CDS e o PS. Os centristas querem que todas as entidades públicas relevantes no processo decisório de políticas públicas - governantes, autarcas, deputados - estejam obrigadas a mostrar este seu registo de contactos..Os socialistas, porém, querem restringir essa obrigatoriedade à Assembleia da República, isentando disso o governo e as autarquias, para já não falar de outras entidades da administração pública..Ora, segundo os centristas - que nesta matéria manifestam alguma intransigência -, envolver apenas o Parlamento e os deputados na obrigatoriedade de revelarem os seus contactos é muito curto. Sendo verdade que se centra em São Bento o processo legislativo, a verdade, também, é que grande parte das decisões que merecem atenção lobista tem muito mais que ver com decisões executivas. E quem detém o poder executivo não são os deputados - são os membros do governo, os autarcas, os titulares de altos cargos na administração pública. Os socialistas argumentam que só podem legislar sobre a AR porque, em relação aos outros poderes, isso será da sua competência própria e auto-organização..Da política para o lobbying?.O que também está em aberto é o tipo de entidades que devem constar, ou não, no Registo que há de listar quem faz representação de interesses. Os socialistas consideram, por exemplo, que todos os órgãos que integram o Conselho Económico e Social (órgão máximo de concertação social) devem constar nesse registo. Mas o CDS não, porque não vê a sua atividade como lobista. A divergência, portanto, existe - mas deputados da comissão ouvidos pelo DN consideram-na sanável..Matéria em aberto é ainda a relativa a uma proposta do PS para que os políticos, no período até três anos após cessarem funções, sejam proibidos de fazer representação de interesses (o chamado período de nojo)..A ideia não consta no projeto do CDS. Mas os centristas não estão completamente fechados a que se aprove uma norma deste género. A discussão sobre este ponto particular da regulação ainda não começou..Outro aspeto ainda por esclarecer é o dos advogados. O projeto do CDS diz claramente que a sua leitura não é extensível aos advogados e solicitadores; o do PS não diz nada, subentendendo-se portanto que os advogados podem ter de vir a constar no Registo de Representação de Interesses Privados que é proposto. A isto os centristas contrapõem o argumento de que a atividade lobista está expressamente proibida aos advogados no respetivo estatuto profissional - sendo portanto um falso problema incluí-los ou não na regulação..A Comissão da Transparência começou a funcionar em 20 de abril de 2016, por iniciativa do PS, e está a legislar sobre matérias como o Estatuto dos Deputados, incompatibilidades e impedimentos de políticos e titulares de altos cargos públicos, enriquecimento ilícito (ou injustificado) e controlo da riqueza..Propostas do CDS.- No seu projeto, o CDS começa por propor a criação de um registo de transparência dos representantes de "interesses legítimos". Será uma lista de entidades que procurem influenciar políticas públicas e respetivos responsáveis (deputados, governantes, autarcas, funcionários públicos, etc.)..- Os centristas defendem a aprovação de um código de conduta pelo qual as entidades que representam interesses se devem inscrever no tal registo de transparência e que isso deve ser condição para poderem tentar influenciar os poderes públicos. Não é imposto, porém, que essa condição seja vinculativa..- O CDS diz que "não está abrangida" pelo seu projeto "a prática de atos próprios dos advogados e solicitadores", nomeadamente "contactos com organismos públicos destinados a melhor informar os seus clientes acerca de uma situação jurídica geral ou concreta, ou de os aconselhar quanto à adequação de uma pretensão"..Propostas do PS.- Os socialistas também criam um registo de representação de interesses privados (RRIP) mas apenas para entidades que procurem influenciar decisões da Assembleia da República..- Os parceiros sociais privados e as entidades privadas representadas no Conselho Económico e Social, bem como as as entidades privadas de audição constitucional ou legalmente obrigatória, serão automaticamente inscritas no RRIP..- Segundo o projeto do PS, as entidades sujeitas a registo devem "obrigatoriamente" constar do registo antes de lhes ser concedida uma audiência ou de participarem em audições promovidas pela AR..- Para o PS, "os titulares de cargos políticos do Estado e de altos cargos públicos não podem dedicar-se a atividades de representação de interesses em nome de entidades privadas que prosseguem fins lucrativos durante um período de três anos contados desde o fim do seu mandato"..Propostas da JSD.- A JSD inspirou-se nos modelos do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia. Nestas instituições os lobistas registam-se de forma pública e gratuita e deverão seguir os requisitos de um código de conduta. As entidades públicas devem pugnar por esse registo..- No segundo mecanismo, sempre que uma entidade pública tiver contactos com lobistas deve registar essa interação, para tornar tudo transparente. São abrangidos no projeto de lei, entre outras, a Assembleia da República, membro do governo e respetivos gabinetes, órgão e serviços da administração ligados ao Estado, o provedor de Justiça e ainda entidades reguladas independentes..- No que diz respeito ao setor lobista, terão de ser registadas "todas as pessoas singulares ou coletivas, com ou sem fins lucrativos, que atuem junto das outras entidades.