Madonna. Rainha da Pop celebra 65 anos no novo mundo do Instagram

Nascida a 16 de agosto de 1958, Madonna está a viver uma nova encruzilhada da sua carreira de quatro décadas: por um lado, e apesar dos problemas de saúde que teve, vai lançar-se numa nova digressão na Europa e na América; por outro lado, tem trabalhado no argumento de um filme autobiográfico.
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Madonna Louise Ciccone nasceu no dia 16 de agosto de 1958 na cidade de Bay City, no estado do Michigan - celebra amanhã a idade, inevitavelmente simbólica ou, pelo menos, inspiradora, de 65 anos. A sua trajetória artística pode resumir-se através do título que conquistou há várias décadas: Rainha da Pop. Considerando fatores mais terrenos, vale a pena lembrar que, com mais de 300 milhões de discos vendidos ao longo de uma carreira de quatro décadas, ela lidera a lista das mulheres com maior sucesso na área da música.

Desde o primeiro momento, a história e a mitologia de Madonna enredam-se numa vertigem que transcende os limites de qualquer domínio, seja ele criativo ou comercial (sobretudo sendo criativo "e" comercial). Assim, no dia 14 de janeiro de 1984, cerca de seis meses passados sobre o lançamento do seu primeiro álbum (intitulado apenas Madonna) Dick Clark entrevistava-a no programa televisivo American Bandstand, perguntando-lhe que voto formulava, não apenas para o ano que estava a começar, mas também para "o resto da sua vida profissional". Pouco dada a eufemismos ou gestos de auto-complacência, Madonna resumiu a sua ambição numa frase contundente: "Conquistar o mundo."

O mundo, convenhamos, nem sempre aceitou pacificamente tal ambição. A sua carreira cinematográfica (que alguns mais precipitados chamarão uma "ausência" de carreira) espelha bem tal dificuldade. De facto, Hollywood nunca a acolheu como figura do seu próprio imaginário (leia-se: do seu sistema industrial), tal como ficou perversamente demonstrado pelo modo como os Óscares ignoraram o seu protagonismo em Evita (1996), o filme de Alan Parker inspirado no musical de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice: valeu-lhe um Globo de Ouro de melhor atriz (comédia/musical), mas Madonna ficou de fora das nomeações da Academia. Num contraste pleno de ironia, o tema You Must Love Me, que Webber/Rice criaram para o filme, arrebatou o Óscar de melhor canção. Aliás, na galeria de Óscares que Madonna (não) ganhou encontrava-se já outra canção por ela interpretada: Sooner or Later (I Always Get My Man), do filme Dick Tracy (1990).

Mais recentemente, as atribulações de saúde vieram abalar os seus planos de trabalho. No dia 28 de junho, numa mensagem no Instagram, o seu empresário e velho amigo Guy Oseary dava conta do internamento de Madonna numa unidade de cuidados intensivos devido a uma "grave infeção bacteriana", adiando de imediato o arranque da nova digressão - "The Celebration Tour" -, previsto para o dia 14 de agosto (ontem, portanto) no Canadá, na Scotiabank Arena de Toronto.

As datas europeias da digressão não foram postas em causa, com o primeiro concerto agendado para a O2 Arena, em Londres, a 14 de outubro. Mantêm-se, por isso, os dois concertos marcados para Lisboa (Altice Arena, 6 e 7 de novembro). Aliás, no dia 22 de setembro surgirá o triplo LP Madame X: Music from the Theatre Xperience, gravado em janeiro de 2020 no Coliseu dos Recreios de Lisboa, durante a "Madame X Tour". O arranque do segmento americano da nova digressão está agora previsto para 13 de dezembro, no Barclays Center, em Nova Iorque, devendo encerrar com quatro concertos na Cidade do México, o último marcado para 30 de janeiro de 2024.

Toda esta atividade reflete uma lógica de "revisão da matéria dada" por parte de alguém que, aos 65 anos, é detentora de uma património de canções espalhadas por várias dezenas de registos, incluindo 14 álbuns de estúdio, seis ao vivo e sete compilações. As duas mais recentes compilações, precisamente, parecem emergir como a base dos temas a revisitar durante a próxima digressão: são elas Celebration - uma coleção de sucessos, lançada em 2009, de Holiday, single editado há quarenta anos (a 7 de setembro de 1983), até aos inéditos Celebration, Revolver e It's So Cool - e Finally Enough Love: 50 Number Ones, antologia de remixes de meia centena de temas que alcançaram o primeiro lugar na tabela das "canções de dança" da revista Billboard (sendo a mais recente I Don"t Search I Find, do álbum Madame X).

Com Finally Enough Love: 50 Number Ones, Madonna regressou ao contexto industrial em que, afinal, desenvolveu e consolidou o essencial da sua carreira. Assim, depois dos álbuns MDNA (2012), Rebel Heart (2015) e Madame X (2019) terem surgido com chancela da Interscope, do grupo Universal, ela está de volta à Warner, emblema dos momentos mais decisivos da sua evolução, incluindo o prodigioso Ray of Light (1998), porventura a obra mais rica, e também de produção mais sofisticada, de toda a sua discografia. O contrato estabelecido entrega à Warner a gestão de todo o seu catálogo (incluindo os três álbuns lançados pela Interscope).

Há razões para ver neste "regresso às origens" algum tipo de relançamento de todo o universo musical, iconográfico e simbólico de Madonna, quanto mais não seja porque foi na Warner, e com a Warner, que esse universo encontrou as mais elaboradas formas de criação e difusão. Para nos ficarmos pela importância criativa (e promocional) dos telediscos, lembremos que foi com álbuns da Warner que Madonna estabeleceu notáveis relações criativas com realizadores como Mary Lambert (Material Girl, 1985), James Foley (Papa Don't Preach, 1986) e, em particular, David Fincher que dirigiu quatro dos seus telediscos mais perfeitos (Express Yourself, Oh Father, Vogue e Bad Girl).

Mais recentemente, a gestão das imagens de Madonna tem passado sobretudo pela sua conta do Instagram. E o mínimo que se pode dizer é que, mesmo não esquecendo a vibração de algumas selfies e o confessionalismo de alguns textos, tal experiência tem sido gerida de modo, no mínimo, algo insólito. Aliás, deixou de ser uma gestão pensada em função dos desígnios artísticos da protagonista para se esgotar numa coleção de registos pessoais (muitas vezes familiares), mais típicos das rotinas de linguagem do próprio Instagram.

Daí também que se aguarde com expectativa o seu regresso à realização cinematográfica através do filme autobiográfico que Madonna está empenhada em concretizar. Com a montagem da "Celebration Tour", o projeto ficou, para já, suspenso. Sabe-se que o título será Little Sparrow e já tem protagonista: Julia Garner, jovem e notável atriz da produção independente A Assistente (2019), de Kitty Green, ainda que obviamente mais conhecida pela minissérie Inventing Anna (Netflix, 2022). Segundo palavras da própria Madonna, a Universal chegou a apresentar-lhe um projeto de argumento biográfico que ela considerou uma "porcaria"... Para ela, trata-se de evocar o seu trajeto artístico e "dar conta da incrível jornada que vivi" - não haveria maneira mais exata de o dizer.

Com uma discografia que inclui 14 álbuns de estúdio e quase uma centena de singles, a lista de canções de Madonna desafia a consistência de qualquer Top. Não é o caso, aqui, já que se trata apenas de evocar algumas referências que, por assim dizer, não são canónicas. Daí as ausências de verdadeiros fenómenos globais como Like a Virgin, Like a Prayer ou Ray of Light - e também a certeza de que a evidência das matrizes pop não basta para dar conta da sua pluralidade criativa.

LOVE SONG

(álbum: Like a Prayer, 1989)

Entre os produtores que trabalharam com Madonna, Prince (1958-2016) é seguramente um dos mais ignorados. Além de participar com a sua guitarra em três canções de Like a Prayer, o músico de Minneapolis partilhou com Madonna a composição e interpretação de Love Song, tema de requintada textura melódica e rítmica que vai desmentindo o próprio título através da repetição do verso "Isto não é uma canção de amor" - o álbum foi lançado em março de 1989, cerca de dois meses depois da formalização do divórcio de Madonna e Sean Penn.

BAD GIRL

(álbum: Erotica, 1992)

Se outras razões não houvesse, Bad Girl teria sempre um lugar de destaque na história da música pop graças ao respetivo teledisco, realizado por David Fincher (cerca de um ano depois do lançamento do seu primeiro filme, Alien 3-A Desforra). Fincher soube expor o misto de solidão e desamparo que a canção relata, tendo como personagem central uma mulher de Nova Iorque cuja promiscuidade sexual desemboca numa morte encenada de modo elíptico, incluindo a presença de um anjo da guarda (interpretado por Christopher Walken).

MER GIRL

(álbum: Ray of Light, 1998)

"Fugi da casa que não consegue conter-me / Do homem que não posso conservar / Da minha mãe que me assombra, apesar de já ter partido / Da minha filha que nunca dorme..." É um dos temas mais confessionais de toda a obra de Madonna, escrito cerca de um ano depois do nascimento da sua filha, Lourdes Leon, e evocando a memória da mãe (falecida em finais de 1963, poucos meses depois do 5º aniversário de Madonna). A interpretação distingue-se por uma rara vibração emocional, sublinhada pelo envolvimento sonoro criado por William Orbit.

NOBODY KNOWS ME

(álbum: American Life, 2003)

Se Ray of Light foi o álbum de introspeção de quem sabe relativizar as ilusões do sucesso e da fama, American Life será o seu duplo político: Madonna apresenta-se como cidadã "made in USA", questionando a história e o imaginário do seu próprio país (recordemos o radical discurso anti-guerra do tema-título). Faz sentido, por isso, que uma das canções discuta a própria imagem da cantora, com o título proclamando, desde logo: "Ninguém me conhece." Mais à frente, dirá: "Não quero mentiras / Não vejo televisão / Não perco o meu tempo."

I FUCKED UP

(álbum: MDNA, 2012)

Digamos, para simplificar, que o título poderá ser traduzido como um desabafo de tradicional dramatismo... Qualquer coisa como: "Dei cabo da minha vida." Assumidamente marcada pelas memórias do casamento com o realizador Guy Ritchie (divorciaram-se em 2008), esta é uma canção cujo pendor auto-crítico surge envolvido num ritmo suavemente irónico, aqui e ali com alguma sugestão de sarcasmo: "Pensei que tínhamos tudo / Revelaste o melhor de mim / E acabei por destruir o sonho perfeito." Só existe na edição DeLuxe do álbum MDNA.

Dois títulos da filmografia de Madonna são "complementos" da sua condição de artista musical: Desesperadamente Procurando Susana (1985), de Susan Seidelman, comédia romântica que refaz a iconografia do álbum Like a Virgin, e Dick Tracy (1990), de Warren Beatty, filme revolucionário no uso do espaço artificial do estúdio (uma das suas canções, composta por Stephen Sondheim e cantada por Madonna, ganhou um Óscar). Mas há outros títulos emblemáticos que continuam a ter escassa divulgação.

NA CAMA COM MADONNA (1991)

de Alek Keshishian

Eis a exceção que confirma a regra: este filme foi, de facto, um fenómeno invulgar, a começar pela apoteótica passagem no Festival de Cannes (extra-competição). Rodado nos bastidores da digressão mundial "Blonde Ambition", em 1990, ligada ao álbum Like a Prayer, distinguiu-se pelo misto de racionalismo e humor com que desmonta os clichés da própria fama, ao mesmo tempo afirmando as potencialidades do olhar documental. No documentarismo, justamente, criou matrizes que, para o melhor ou para o pior, seriam muitas vezes imitadas.

DANGEROUS GAME (1993)

de Abel Ferrara

Madonna acabara de lançar o livro Sex e o álbum Erotica; Ferrara assinara Bad Lieutenant/Polícia sem Lei, com Harvey Keitel. A sua reunião começou sob o título Snake Eyes, depois mudado par Dangerous Game (entre nós, nunca se estreou nas salas e nos circuito de vídeo chamaram-lhe Linha de Separação). Rezam as crónicas que se desentenderam, mas o resultado é um espantoso retrato dos bastidores do cinema, com Keitel a interpretar um realizador em conflito com a sua estrela (Madonna, claro) - um perverso jogo de espelhos.

GIRL 6 (1996)

de Spike Lee

É um dos filmes "malditos" de Spike Lee, em muitos países (incluindo Portugal) condenado a uma exposição anónima nos circuitos de vídeo. Tudo acontece nos cenários insólitos de uma empresa de chamadas eróticas. Numa composição tão breve quanto elaborada, Madonna surge como a "patroa" de algumas jovens que procuram emprego tentando encontrar as palavras adequadas (?) para satisfazer a demanda dos homens que telefonam... A meio caminho entre a crónica de costumes e a comédia burlesca, eis uma perturbante parábola social.

SUJIDADE E SABEDORIA (2008)

de Madonna

Para a sua estreia na realização, Madonna convidou Eugene Hütz, líder dos Gogol Bordello, banda punk de raízes ciganas que participou em alguns concertos da Sticky & Sweet Tour. Hütz interpreta um músico ucraniano (ele próprio nascido na cidade de Boyarka, em 1972, a cerca de 20 km de Kiev) que vive de expedientes nem sempre muito recomendáveis, tudo passado em zonas de Londres retratadas com uma crueza realista que não é estranha aos artifícios do burlesco - o resultado é um bizarro conto moral em tom de farsa.

W.E. (2011)

de Madonna

Segunda realização de Madonna, de novo sem participar no elenco (interpreta Masterpiece, canção do genérico final, depois incluída no álbum MDNA). Esta é uma revisão da história e da lenda do rei Eduardo VIII e da sua abdicação do trono britânico, em 1936, para casar com a americana Wallis Simpson. Através de um ziguezague temporal - o filme é contado a partir do ponto de vista de uma investigadora, em finais do século XX -, eis a mais anti-romântica das sagas românticas, excluída de quase todos os mercados (incluindo o português).

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