A que levam as eleições na América Latina?
Com as eleições na Colômbia chega ao fim um ciclo de seis atos eleitorais entre novembro de 2017 e maio de 2018. Cumpre-se uma etapa importante do calendário político da América Latina e das Caraíbas.
À primeira vista, há um fortalecimento acelerado da democracia: quase umas eleições por mês. Analisando em profundidade, é um processo intenso que modifica o mapa político destes países e produz efeitos imediatos no campo internacional. Portanto, é fundamental que estes processos sejam legítimos para garantir que o poder conte com autoridade suficiente para enfrentar com êxito os desafios nacionais e internacionais.
A democracia questionada
Nas eleições das Honduras, do Paraguai e da Venezuela, os tribunais eleitorais anunciaram a vitória dos candidatos oficiais do regime contra as denúncias de ilegalidades e as alegações de fraude. Nas Honduras e no Paraguai denunciou-se a parcialidade dos órgãos de justiça, que permitem a candidatura dos presidentes em exercício apesar da proibição expressa da Constituição, o abuso dos bens do Estado e a adulteração de resultados.
Na Venezuela, os principais partidos da oposição não participaram e aqueles que intervieram denunciaram a parcialidade dos órgãos eleitorais, a indução ao voto e a dispersão de locais de votação a favor do governo.
Em face destas reclamações, alguns países democráticos e organismos regionais tiveram uma atuação incoerente. Assim, a Organização dos Estados Americanos, principal organismo regional, interveio com energia exigindo novas eleições nas Honduras, negando a legitimidade às da Venezuela, mas com improvisação e incoerência ao aceitar como normais as eleições no Paraguai. No caso da União Europeia, é mais desconcertante ainda, uma vez que não reconhece a legitimidade do processo venezuelano e aplica sanções, mas outorga validade às ilegalidades e irregularidades nas Honduras e no Paraguai.
Estes episódios questionam per se a solidariedade e a defesa internacional da democracia, porque violam a vigência das liberdades políticas, o Estado de direito e o regime constitucional nestes países, consagrados expressamente no primeiro e no quinto capítulos da Carta Democrática Interamericana, assim como processos que nenhum Estado europeu teria aceitado para si e que estão expressamente acautelados na ação externa da União (artigo 21.º do Tratado de Lisboa).
As consequências internacionais
Aparentemente, as eleições parecem limitar-se a definir quem governará. Nada mais distante da realidade. Com resultados contestados, a disputa política e ideológica torna-se conflituosa e não permite a governabilidade para enfrentar com êxito os problemas sociais e económicos das nações.
Os cientistas políticos comprovaram que, para enfrentar conflitos, é necessária a força do voto popular autêntico e o respeito pelos preceitos legais para ter a capacidade de estabelecer acordos, promover consensos e executar políticas públicas bem-sucedidas. Os processos políticos e o respeito pelas regras são tanto ou mais importantes do que os atos eleitorais.
Portanto, é muito relevante a transparência do processo político eleitoral para que as decisões dos novos governantes sejam acompanhadas e respeitadas pelo povo.
Da mesma forma que é essencial que a comunidade das nações democráticas atue em conformidade com os acordos internacionais, respeitando os seus princípios, para que a sociedade internacional seja um espaço onde as decisões tenham a força e o vigor outorgados pela soberania popular. Caso contrário, a convivência internacional estará submetida a interesses setoriais, exclusivos e disruptivos, que não respeitarão os tratados, os acordos nem as leis que garantem a convivência pacífica.
O governo das Honduras e o do Paraguai demonstram essas consequências indesejadas. Ambos decidiram mudar as suas embaixadas para Jerusalém, em declarada rebeldia contra a posição histórica da América Latina e das Caraíbas de propiciar a solução pacífica dos conflitos e acompanhar as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Ex-embaixador do Paraguai em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais