A psicopatologia do islão

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Originalmente significando o discurso sobre o sofrimento da mente, psicopatologia, expressão de origem grega, passou com o tempo a ter o sentido de uma visão descritiva dos comportamentos que se desviam do que é o meio-termo, isto é, do Homo medius (homem médio).

Não resisto, pois, à tentação de apontar aquelas que considero serem as cinco perturbações mais marcantes dos professantes da religião islâmica.

Dei comigo a refletir um pouco acerca do que é isso de se ser islâmico. É que bom será desfazer qualquer equívoco porventura ocasionado pelo vocábulo, que deriva do radical salam que significa paz e que literalmente designa a "submissão voluntária à vontade divina". Daqui se extrai que o voluntarismo está intrinsecamente ligado à ideia de se ser islâmico, e que não há islão sob coação.

Quais são, afinal, os problemas que os muçulmanos enfrentam, nos dias de hoje e num país laico, filho da Europa, e quais os desafios desta empreitada?

Primeiramente, um problema de interpretação. Um dos maiores desafios que o islão moderno terá de enfrentar é o de criar uma uniformização da sua hermenêutica, tendo presente as suas diversas fontes - designadamente o seu texto sagrado e divino, o Alcorão, a Sunna e a Fiqh - com graus de hierarquia distintos e que por vezes divergem, e não cair na tentação de uma interpretação literalista inflamada.

Em segundo lugar, um problema de autoridade. Se há quem defenda que a beleza do islão é a sua diversidade e multiculturalidade, cedo nos apercebemos do risco de esta criar uma narrativa e uma linguagem plurívoca que podem propiciar a confusão. Acresce a esta a ausência de uma autoridade central que determine o tom dominante e uma franja de sobreposição entre o Estado e a Mesquita nos países de maioria islâmica.

Terceiro, um problema de liderança. Impõe-se pois, neste contexto, que os líderes religiosos sejam um exemplo, transmitindo uma mensagem simples, mas impactante e com conteúdo, e de amor para com o próximo e que passemos das palavras aos atos. Gabe-se a recente visita do Papa à Mesquita de Al-Azhar, considerada um dos baluartes do pensamento erudito da corrente sunita do islão.

Em quarto lugar, a superação do inimigo comum das religiões, o secularismo militante, que pretende eliminar a religião por completo da praça pública, seja esta sob a forma de discussão ou prática, o que comporta o malogrado fenómeno da aversão religiosa, que origina, não raras vezes, uma insuficiência identitária: uma completa ausência de valores.

As religiões têm hoje, todas elas, uma vida difícil e os crentes terão de enfrentar, no futuro próximo, o desafio de encontrar novas formas para praticar a sua fé. Dito isto, creio ser possível viver em países na condição de minoria, sustentando a nossa identidade e vivendo a nossa fé, sob a proteção do Deus comum.

Além disso, os ditos "islâmicos", especialmente os tomados pela deriva fanática, não raras vezes prosseguem, sob a falsa capa da religião, uma agenda com interesses de outra índole, dando mau nome ao islão e sendo por isso absolutamente imprescindível apontar o dedo aos prevaricadores, sob pena de o justo pagar pelo pecador, em conformidade com o sábio adágio popular.

A terminar aquela que consideramos a pedra-de-toque, e que se afigura inapelável: a integração. Esta palavra mágica cada vez mais parece uma miragem nos dias de hoje. Não se trata, porém, de cumprirmos o sonho cor-de-rosa de darmos todos as mãos e fingirmos que somos amigos; é bem mais do que isso. É perceber que podemos trilhar um caminho comum, na diferença e na perceção da diferença do próximo e que essa diferença não significa desigualdade.

Felizmente, neste país acolhedor, simpático e integrador, respeitador da diferença, a maioria dos muçulmanos prefere e bem, por um lado, conservar a sua fé no interior das suas quatro paredes (mentais e de tijoleira) e, por outro, assumir a inculcação de valores culturais ocidentais como a única forma existente para viver em harmonia no Ocidente e com um resultado amplamente meritório.

Permito-me ambicionar: oxalá todos assim o sejam. Ameen (que assim o seja).

Vogal da Direção da Comunidade Islâmica de Lisboa

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