A próxima economia europeia
Mais do que recuperação, a Comissão Europeia quer a transformação da economia da Europa. Não são as padarias e os restaurantes ou os empregos perdidos que vão ser a prioridade(isso é para os orçamentos nacionais), é a digitalização, a economia verde e, novidade, a resiliência.
Falta decidir como é que isso se faz, com quanto se faz e quem vai beneficiar. O essencial, portanto. E que precisamos de influenciar.
Ursula von Der Leyen vai anunciar esta quarta-feira, e antecipou na semana passada ao Parlamento Europeu, que o dinheiro que vier por via da União Europeia será para tudo aquilo que em Bruxelas, em muitas capitais europeias e nas sedes de algumas empresas se acredita que terá de ser a economia europeia no futuro. Na esperança (vã, dirão muitos) de que a Europa lidere a economia verde e pelo menos dependa menos da América e da China na economia digital. A novidade, parcial, é a ideia de resiliência (que antes se chamaria desglobalização ou autonomia): produzir mais perto (na Europa - a leste ou a sul - ou na vizinhança) o que se considera estratégico. Para já são medicamentos, a seguir serão painéis solares, baterias, hidrogénio, microprocessadores ou componentes da indústria de defesa. Num mundo polipolar, a concorrência será global.
O primeiro pilar do plano de recuperação antecipado é um instrumento para financiar reformas e investimentos públicos alinhados com as prioridades europeias. A Troika, má, vai ser substituída pelas reformas, boas, dirigidas pelo Semestre Europeu, que tem formato mais democrático e consensual. E a austeridade vai-se chamar solidariedade, porque é possível dar nomes às coisas, mas adiante alguém vai ter de pagar o investimento público e as políticas sociais de agora. E é aí que a discussão ideológica acontecerá. Ou deveria acontecer, porque onde se gasta o dinheiro público não é uma coisa neutra.
O segundo pilar há-de ser uma versão 3.0 do Plano Juncker. Dinheiro, e sobretudo garantias,para os privados investirem em 5G, Inteligência Artificial, hidrogénio, energias renováveis, e nas indústrias da resiliência (saúde, para já). E, também, para recuperar algumas empresas descapitalizadas. Veremos quem se financia e quem compra quem.
Na semana passada, uma fonte próxima da BDI (a Federação das Indústrias alemãs) confessava ao Financial Times a razão de ser do entusiasmo dos empresários alemães com a disponibilidade de Merkel para reforçar o financiamento do orçamento europeu: "a maior parte do dinheiro que damos a outros estados membros da UE voltará para nós na forma de encomendas às nossas empresas".
Alguns dirão que os alemães não são solidários, são cínicos. Ou oportunistas. Outros dirão que são realistas.
Se parte da Europa vai fazer desta crise uma oportunidade, nós precisamos de saber como fazê-lo também. E de a moldar, na medida do nosso possível. Culpar os mais ricos por produzirem o que lhes compramos vai nos levar de volta ao mesmo lugar.