A propósito dos atuais golpes de Estado em África
Em apenas quatro anos (2019-2023), aconteceram nada mais, nada menos do que dez golpes de Estado em África, ou seja, uma média de 2,5 (?) "putsches" por ano. Não sucedia nada assim desde o final dos Anos 80 do século passado, quando terminou a onda inicial de ações militares para a tomada violenta do poder na região e os países do continente pareciam ter aderido genuinamente ao modelo democrático europeu, "vendido" como a panaceia universal para a solução de todos os problemas da Humanidade. Para que fique claro, refiro-me ao "modelo democrático europeu", não à ideia de democracia.
Recapitulando, no dia 11 de abril de 2019, no Sudão do Sul, aconteceu o primeiro levantamento militar desta nova série de golpes de Estado em África, quando o Exército destituiu o ditador Omar al Bashir, prometendo uma transição de dois anos; a transição foi inviabilizada pelo próprio Exército, no dia 25 de outubro de 2021, estando hoje o país dividido por uma guerra entre dois capos militares, o general Abdelfatá al Burhan, chefe das Forças Armadas, e Mohamed Handam Dagalo, líder das Forças de Apoio Rápido.
O segundo golpe militar aconteceu no Mali em 2020, quando o coronel Assimi Goita derrubou o presidente Ibrahim Boubacar Keita; no ano seguinte, Goita protagonizou outra iniciativa militar, a fim de consolidar o seu poder.
No Chade, em meados de abril de 2021, o general Mahamat Idriss Déby, filho do presidente Idriss Déby, que morreu numa escaramuça militar com um grupo de rebeldes, assumiu o poder à revelia da Constituição, que mandava realizar eleições; tendo prometido um período de transição de 18 meses, continua até hoje no poder, não dando sinais de que tenha alguma intenção de largar o cadeirão presidencial.
No dia 5 de setembro de 2021, na Guiné Conacri, o coronel Mamady Doumbouya derrubou o presidente Alpha Condé.
Em 2022, no Burkina Faso, o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba tomou o poder pela força, tendo sido substituído nove meses depois, também graças a uma intervenção militar, pelo capitão Ibrahim Traoré.
Finalmente (?), no passado dia 23 de julho do corrente ano, no Níger, o general Abdourahamane Tchiani assumiu o poder pela força à frente de uma Junta Militar.
O que explicará esta nova onda de golpes militares no continente africano? Análises imediatistas, superficiais e, sobretudo, abstratas não contribuem para o entendimento e a eventual superação do fenómeno. Um desses equívocos analíticos é pôr todos os golpes no mesmo saco e condená-los por junto e atacado. A História demonstra que, por vezes, há golpes de Estado "revolucionários" e "progressistas". Em África, mesmo, Thomas Sankara fez um no Burkina Faso, em 1983. O 25 de Abril de 1974, em Portugal, é um exemplo de um golpe militar progressista (antifascista e anticolonialista) na Europa.
A verdade é que, muitas vezes, há causas legítimas por detrás dos golpes militares. A manutenção no poder por longos e excessivos períodos dos antigos líderes é uma delas; por vezes, esses prazos não estão previstos na lei, pelo que o recurso costuma ser alterar a Constituição a fim de acomodar as dilatações desejadas, o que é fonte de turbulências sociais, como se vê presentemente no Senegal. O atual presidente liberiano, George Weah, chamou essa tendência pelo devido nome: "golpes de Estado constitucionais".
Aqui, torna-se necessário um parêntese, para lembrar que o apego ao poder não é exclusivo dos líderes africanos ou considerados autocráticos. Na França, por exemplo, uma proposta da Oposição para limitar o tempo de permanência na presidência a um único mandato de sete anos foi chamada por Macron de "maldita besteira". Alguns dos seus aliados afirmaram, em várias ocasiões, que a limitação de mandatos "afeta a expressão da vontade popular".
Outra causa plausível para a atual ocorrência de golpes militares em África é o cansaço e a revolta das populações contra as influências externas, com destaque para a francesa; tal sentimento tem ganho uma força crescente nas ruas e nas redes sociais, o que, em vários casos, explica o júbilo popular com que os referidos golpes têm sido acolhidos pelos cidadãos.
Entretanto, o facto é que, quase sempre, as promessas dos autores dos golpes de Estado militares não são cumpridas, pelo que a população rapidamente se apercebe que, de facto, eles não são os "libertadores" que diziam ser e que a sua única pretensão é manterem-se no poder.
Perante tudo isso, a conclusão só pode ser uma: os cidadãos, os intelectuais e os líderes políticos africanos genuína e sinceramente interessados no real desenvolvimento do continente precisam de refletir, discutir e encontrar soluções efetivas para alcançar esses objetivos, sem quaisquer diktats externos, mas capazes de manter a estabilidade, desenhar e implementar uma democracia efetiva (não uma cópia grotesca ou uma caricatura do modelo democrático ocidental) e construir um futuro autónomo para a região.
Escritor e jornalista angolano