Se me é permitida uma metáfora não muito inspirada, creio que vale a pena dizer que o filme de Gaspar Noe, Love, nos relembra a importância de não colocarmos a moral à frente dos bois... Que é como quem diz: pensar as representações da sexualidade a partir de uma imutável oposição entre "erotismo" e "pornografia" nunca nos irá ajudar a lidar com a complexidade e, por vezes, a riqueza dos discursos artísticos (cinematográficos ou não) que lidam com as nossas vidas sexuais. Lembremos apenas esse filme sublime que é O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima: não há certezas imaculadas para pensar as representações da sexualidade, já que a sexualidade pode ser mesmo aquilo que desafia a própria possibilidade de representação. Dito isto, importa reconhecer que a inclusão de Love na programação de Cannes não parece ser a mais feliz das escolhas. Repare-se: não por causa da sua "temática" (aliás, o carácter irrisório do sistema filosófico de Gaspar Noe está bem expresso na pompa com que o cineasta filma o seu protagonista a multiplicar considerações sobre a existência humana cujo primarismo parece decalcado, ponto por ponto, dos discursos da imprensa cor-de-rosa sobre a "felicidade"). Antes porque este é um daqueles filmes que, não sabendo o que fazer para surpreender o espectador, elege o "escândalo" como o seu próprio ponto de fuga. No nosso mundo mediático e mediatizado, o "escândalo" (o que quer que isso possa envolver) deixou mesmo de ser um efeito desencadeado por factos ou ações, passando a ser um "tema". E quando vivemos num tempo em que há uma procura desenfreada do "tema escandaloso", isso significa que perdemos o gosto pelas linguagens, preferindo viver na agitação efémera dos fait divers - neste contexto, Gaspar Noe é um profissional.