A primeira vez de uma editora (ou um regresso) na Feira do Livro

João Gonçalves já criou mais do que uma editora e este ano está na Feira com a Cultura; Jorge Ferreira veio à Feira com a Caleidoscópio até achar que os custos não compensavam, e Maria João Belchior estreia-se com a sua editora Livros de Bordo.
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Antes de irmos a quem faz os livros, fala-se com dois leitores que teimam na visita anual à Feira do Livro de Lisboa comprar coisas que já não se encontram nas livrarias. É o caso da leitora Maria João Noronha, que todos os anos vai ao recinto "comprar romances históricos". Com "paciência", explica, consegue encontrar os livros que quer: "É mais fácil achá-los aqui." Uma leitora que faz questão de referir que não é daquelas "que vem cá picar o ponto para dizer que foram à Feira do Livro mas passam mais tempo a comer! Como gosto de ler, aproveito esta época para abastecer a estante. Estes são antigos [os livros que leva em dois sacos], mas como os emprestei e não voltaram à base comprei outros. Ainda por cima estavam com um preço ótimo."

Um segundo leitor veio à Feira mas parou logo à entrada, no stand da Bimby [máquinas de cozinhar]. Diz que veio comprar livros mas, confessa, não sairá do Parque Eduardo VII sem comprar uma dessas máquinas "maravilhosas" para ajudar na cozinha. Não se ficará por essa compra, garante, nem comprou uma das dezenas de álbuns de receitas ali expostos. Dali, continuará a subir e a descer as alas do parque para cumprir o objetivo que o levou ali: comprar livros.

É destes leitores que os editores gostam, principalmente aqueles que vão pela primeira vez ao evento, como é o caso de Maria João Belchior, da editora Livros de Bordo. Começou há quatro anos um projeto editorial e já tem nove livros nas livrarias, alguns com reedições, devido ao interesse que despertam. Deve ser das poucas, entre a maioria dos editores, que não cede ao best-seller ou ao livro mais comercial. Só se Giovanni da Pian del Carpini ou António Andrade se encaixarem nesse perfil...

A linha editorial é só uma: livros com a Ásia em mira. Explicação? Depois de ter sido correspondente na China durante mais de uma dezena de anos, ficou fascinada por essa cultura. Tanto assim que ao regressar a Portugal decidiu avançar com este projeto e colocar à disposição de leitores especiais os livros desaparecidos ou que nunca existiram em língua portuguesa. É o caso de Wenceslau de Moraes e um livro, O Bon-Odori em Tokushima, que há meio século está esgotado. Ou de História dos Mongóis aos Quais Chamamos Tártaros, do referido Carpini, coisa nunca vista por cá.

Como é a primeira vez que está na Feira do Livro, Belchior não tem juízos para fazer a partir de comparação com anteriores presenças. Decidiu alugar um stand, que pagou sozinha, mas não se esqueceu de editoras independentes como a dela e o fundo de catálogo de outras 16 editoras está à disposição do visitante. Os leitores gostam do que veem nas bancadas e, enquanto conta a aventura da primeira vez na Feira, vende três livros. Estranha-se o apetite, principalmente porque as grandes livrarias não querem a produção destas pequenas editoras. "Só somos bem-vindos nos livreiros independentes", diz, apesar de o seu catálogo ter tido boa receção na maioria desses grandes espaços, por onde tudo o que é literatura ou não desorienta os leitores por ser grande a variedade e fraca a qualidade.

Primeira vez, mas com nova marca

O editor João Gonçalves está pela primeira vez na Feira com a editora Cultura mas não é estreante, pelo contrário já esteve em bastantes destas 88 edições. Antes a trabalhar noutras editoras, mais recentemente com a sua ex-editora Marcador e agora com a Cultura. Portanto, é uma espécie de primeira vez, quanto mais não seja porque os leitores estão muito pouco preocupados com os bastidores empresariais. No entanto, Gonçalves não regressa à Feira de mãos vazias, já tem vários títulos editados nestes poucos meses da Cultura, entre os quais alguns sucessos certos de autores que o acompanharam para a nova editora: Joel Neto e Pedro Chagas Freitas, são dois exemplos. Ou o autor de thrillers Nuno Nepomuceno, que publicou recentemente na Cultura.

A Caleidoscópio de regresso

Jorge Ferreira é o responsável da editora Caleidoscópio, uma editora que já tem 15 anos mas suspendeu há quatro a sua presença na Feira. Razões? " A Feira exige um investimento expressivo para uma pequena editora e nem sempre recompensa, até porque é uma altura em que estamos a preparar o principal ciclo editorial, o do fim do ano", explica. Apesar de a editora não estar na área do romance, mas nas áreas do livro académico, da arquitetura, da arte e da museologia, a Feira só é importante, diz, "para mostrar os nossos autores". Como esta é a festa do livro em Portugal, Jorge Ferreira decidiu que deveria voltar: "Queremos ter esta montra, conversar com os colegas e provar que os pequenos editores estão vivos." O leitor que vai até ao stand da Caleidoscópio é de todo o género: "Há quem nos conhece e sabe o que quer, os que têm conhecimento e procuram títulos específicos e aqueles que ainda estão à procura dos seus caminhos."

O livro em forma de artesanato

A maior surpresa entre as novas presenças não é uma editora mas uma artista que faz dos livros a sua expressão. Madalena Bensusan olhava para o Tejo e imaginou pequenas criaturas sobre rochas, daí surgiu o conceito de Pedras de Leitor. Ou seja, pequenos bonecos de cor branca que sobem a estantes, leem livros no sofá ou estão noutras atividades, sempre com literatura na mão e com capas de livros verdadeiros. Há muito tempo que queria estar na Feira de Lisboa mas só este ano conseguiu autorização, depois de ter participado em várias feiras internacionais.

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