A primeira separação

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Era um domingo de inverno, noite. Em pleno aeroporto de Frankfurt não se via vivalma nos corredores de um dos aeroportos mais deprimentes da Europa. Aborrecido, cinzento, monótono, igual de uma ponta a outra. Esse domingo, que ficou para sempre agarrado na memória, marcou a primeira viagem de trabalho que fiz depois de o meu primeiro filho nascer.

Nessa noite, essa escala interminável de voos acabaria por me levar de Lisboa à cidade onde Nietzsche e Goethe estudaram e onde Mahler compôs: Lepzig. À distância de pouco mais de uma década parece a mais pura das lamechices essa paragem deprimente, mas por uma ou outra razão nunca a esqueci. O meu filho, o primeiro, ficara em Lisboa com a mãe. Perfeito e de boa saúde. Mas essa minha viagem, coisa pouca de quatro dias, apesar de me dar mais horas de sono do que os meses desde que ele tinha nascido, desconfortou-me. Senti que nunca mais poderia voltar a vê-lo. Que algo de mau poderia acontecer-me na viagem. Eu que não tenho medo de voar e que já o fiz tantas vezes. Eu que raramente tenho esses pensamentos. Nessa noite, sozinho naquele corredor, separado da família, um falso abandonado que trocava olhares de carneiro mal morto com os poucos passageiros com quem se cruzava, caminhava estarrecido. Lembro-me de pensar que, se algo terrível acontecesse na viagem, não o veria crescer, e o mais grave de tudo: ele nunca iria lembrar-se de mim. Guardei esse pensamento até hoje.

Até estas linhas. Uns anos mais tarde, numa conversa com um amigo que estava a passar as passinhas do Algarve com um divórcio que o apanhou de surpresa, dizia-me que o maior medo era que a ex-mulher lhe levasse a filha para longe. Mas mais do que isso era que a miúda, então bebé, se esquecesse dele. Nesse momento senti que os homens, alguns pelo menos, temem tanto ou mais do que as mulheres separarem-se dos seus filhos. O medo da separação não tem género, felizmente. Só tem coração.

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