"A primeira missa foi com Magalhães e acabámos de celebrar nas Filipinas os 500 anos de cristianismo" 

Bispo de Daet, diocese situada no Sul da grande ilha de Luzon, Rex Alarcon foi um dos prelados vindo das Filipinas que participou na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Conversou com o DN sobre a grande força do catolicismo no país, antiga colónia espanhola.
Publicado a
Atualizado a

A próxima Jornada Mundial da Juventude será em Seul, em 2027. É finalmente um regresso à Ásia, pois há quase 30 anos teve lugar em Manila e continua a ser a maior de sempre...
Sim, foram quase seis milhões de pessoas reunidas em Manila.

Estávamos em 1995 e foi ainda com João Paulo II. João Paulo II era um Papa muito popular nas Filipinas?
Sim, foi com João Paulo II e ele era muito popular no país. Em parte, porque ele foi Papa durante muito tempo, uns 27 anos. Na minha geração, era o Papa que nós conhecíamos. A Jornada foi em 1995 e na época eu era seminarista. Foi um momento muito especial.

Qual é a importância do catolicismo na Ásia? Sabemos que as Filipinas são o maior país católico da Ásia; Timor-Leste também é um país muito católico, mas é pequeno; a Índia tem muitos milhões de cristãos, mas são uma minoria; mesmo na Coreia do Sul, que acolherá a próxima Jornada, os católicos são cerca de 10%. Vê o catolicismo como uma religião importante e em crescimento na Ásia?
Penso que sim. O catolicismo está a crescer, embora estejamos também a viver um fenómeno de maior secularização, mas o catolicismo como forma de vida, como fé, está a tornar-se mais conhecido. Por exemplo, estamos a assistir a um aumento de vocações na Indonésia e no Vietname, que não são países católicos. Na Ásia, o catolicismo está em minoria, como já disse, pois apenas as Filipinas e Timor-Leste têm uma maioria católica. Assim, na paisagem asiática falamos mais de diálogo inter-religioso do que de ecumenismo. A Ásia é um conjunto de países com diferentes religiões, mas com a abertura das fronteiras, as redes sociais e a revolução digital há hoje uma crescente consciência do que é a fé católica.

Mesmo nas Filipinas existem outras religiões...
Sim, nas Filipinas existem muçulmanos, também algumas religiões indianas, mas os muçulmanos são em maior número se comparados com essas outras religiões. Também temos as religiões locais.

Está a dizer que existe um diálogo positivo entre o catolicismo e todas as outras religiões em toda a Ásia?
Tem sido esse o desejo da Igreja, é verdade. Nas Filipinas, onde existe uma maioria notória, é algo que ainda tem muito caminho para fazer. Durante a última CFBA (Conferência da Federação dos Bispos Asiáticos) falou-se também dos problemas das perseguições, das restrições. Isso também é um desafio, mas é um facto que existe agora mais diálogo inter-religioso, e também é um facto que é isso que o Santo Padre quer que nós façamos. Com o seu pedido para a sinodalidade, ele fala uma e outra vez, e cada vez mais, sobre o diálogo com outras religiões e o diálogo entre cristãos. Também vejo isso como uma necessidade, porque nós vivemos uma época a que chamo de multiplicidade e diversidade, já não estamos numa situação em que só existe um tipo de coisa. Diria que tem havido sucessos neste diálogo inter-religioso. Na verdade, existem cursos, em algumas das nossas universidades, sobre a religião muçulmana, hinduísmo, budismo. As outras religiões também são estudadas em universidades católicas.

Imagina um Papa asiático num futuro próximo? Agora temos o primeiro Papa americano, há quem fale de um possível Papa africano e mesmo de um Papa asiático. Com Francisco houve uma grande mudança, que é a de a maioria dos atuais cardeais serem de fora da Europa, e isso, provavelmente, abre mais probabilidades para um Papa não europeu ser eleito. É uma coisa que pensa que poderá acontecer?
É uma possibilidade. Claro que para nós, asiáticos, seria uma coisa muito bem-vinda. Tem havido mudanças nas nossas situações e circunstâncias, temos o Papa Francisco, da América do Sul...

Dentro dessas possibilidades, um filipino é uma possibilidade a considerar?
[Risos] É possível. Ficaríamos encantados. [Risos]

Fale-me um pouco sobre como o catolicismo faz parte da identidade nacional filipina. Tal como disse, existem outras religiões, mas quando imaginamos um filipino, visto da Europa, imaginamos um filipino católico. O cristianismo, o catolicismo e a identidade filipina estão misturados?
Eu diria que sim. Os filipinos em geral têm uma fé forte. Seja para onde for que vão levam a sua fé, que se tornou parte deles, porque nós, filipinos, crescemos nela. Claro que existem os atuais desafios, mas penso que para nós é uma fonte de força, de resiliência e também a fonte da nossa alegria. Não é perfeita, nós falamos dos desafios do catecismo, da evangelização, mas consegue-se ver que é essa fé católica, essa fé em Jesus, que se torna a origem da nossa força. Faz parte de nós, também porque esse fenómeno é uma coisa com que crescemos nas nossas famílias. Já falei dos desafios do secularismo, mas, em geral, os filipinos são pessoas de fé.

O cristianismo chega às Filipinas com a colonização espanhola no século XVI. Mas a primeira missa foi na presença do português Fernão de Magalhães. Qual é a memória de Magalhães nas Filipinas?
Fernão de Magalhães é lembrado como a pessoa que, com a sua frota, fez a circum-navegação do mundo pela primeira vez. A primeira missa foi com ele, em 1521, e acabámos de celebrar os 500 anos de cristianismo. Diria que o nosso sentido de História depende da maneira como olhamos para ela, pois no passado, quando estudei História, tinha mais a ver com memorização de datas, etc., o que não é bom para um conhecimento mais aprofundado do que aconteceu e a sua interpretação.

E é possível perceber que, de certa maneira, esses colonizadores mudaram o país, mas, ao mesmo tempo, também definiram algumas das características do que é o país atualmente? É um legado misto?
Claro, é um legado misto. Nós estamos gratos aos que vieram, porque trouxeram a educação, a música, a arquitetura, o desenvolvimento. Portanto, estamos agradecidos aos missionários, aos que vieram, os conquistadores, como lhes chamamos, embora na história recente as coisas tenham sido vistas de forma muito parcial. A geração de onde eu venho é mais ou menos o resultado da fase do esclarecimento, mas sim, sentimos gratidão. Foi, sem dúvida, um encontro de culturas que teve as suas coisas positivas e negativas, mas em geral teve mais coisas positivas.

As Filipinas têm uma história muito curiosa, porque depois de alguns séculos de colonização espanhola, com a língua espanhola, e o catolicismo imposto pelos espanhóis, houve um período de 50 anos de colonização americana antes da independência, no final da Segunda Guerra Mundial . O período americano deixou muitas influências em termos de língua e cultura?
Sim, sim.

O protestantismo também está presente nas Filipinas como legado do período americano?
Sim, o protestantismo também existe no país, mas é uma minoria comparado com o catolicismo. Quando os americanos chegaram, a língua inglesa tornou-se língua oficial, mas, apesar de terem trazido o protestantismo com eles, o catolicismo continuou forte.

Porque já fazia parte da cultura?
Sim, já era parte da cultura filipina, por isso se manteve forte.

Tem recordações da tal Jornada Mundial da Juventude, em Manila, em 1995?
Sim, tenho. Eu era seminarista nessa altura. Em certo sentido, tive sorte, porque os membros do Fórum Internacional da Juventude, com delegados de muitos países, ficaram alojados no seminário onde eu estava. Éramos nós, seminaristas, que os assistíamos nas conferências.

Disse que estiveram presentes seis milhões de pessoas?
Sim, quase seis milhões. Na verdade, nós estávamos num autocarro com os outros cardeais e, claro, éramos escoltados pela polícia, mas chegou a um ponto em que o autocarro não conseguia avançar porque o local estava a abarrotar de pessoas e nós tivemos de descer e ir a pé até ao nosso lugar à frente. As pessoas queriam ver o Papa e vieram das províncias, e foi espantoso.

As Filipinas têm mais de 100 milhões de habitantes...
Eu sei, eu sei [risos].

Este milhão e meio de pessoas em Lisboa também foi espantoso, pois afinal o país só tem 10 milhões.
Sim, foi espantoso. Eu estava lá e depois vi os vídeos, e é realmente espetacular ver os jovens a juntarem-se desta maneira.

Havia um grupo grande de filipinos nesta Jornada em Lisboa?
Sim, havia cerca de 1500 filipinos. Este número inclui os que vieram das Filipinas e os que vieram de outros países.

Em relação à mensagem que o Papa Francisco deixou nesta Jornada, é uma mensagem de esperança que já é sua conhecida. Pensa que este Papa trouxe mudanças para a Igreja? Sente mudanças nas Filipinas desde a eleição de Francisco?
Sem dúvida. Uma delas é o processo sinodal. Antes, quando havia um sínodo, os convidados eram só os bispos, mas agora o diálogo vem de baixo; há também a reforma da Cúria. Nós estamos ainda a tentar segui-la, porque é uma coisa de que a Igreja precisa, mas não é fácil. Ele está a fazer a reforma lá no topo, mas o efeito cascata é uma coisa diferente... Para nós é uma lufada de ar fresco e sentimos as mudanças, mas não de forma tão rápida assim. A maneira como as coisas são feitas, as formas de lidar com a disciplina, com o sacerdócio, são aspetos onde se sentem as mudanças.

A questão dos abusos sexuais também é debatida nas Filipinas?
Não existe um grande debate nas Filipinas e nós estamos gratos por isso. Não tem a magnitude que tem aqui, por exemplo.

Sei que é bispo de Daet, uma diocese a sul de Manila, a sete ou oito horas de carro da capital. Essa zona é muito diferente de Manila? Na sociedade filipina há grande desigualdade entre ricos e pobres, entre a capital e o resto do país?
Sim, existem desigualdades. Nós ainda dizemos que a pobreza é uma das principais coisas que temos de resolver. A situação económica do nosso povo é um dos problemas que enfrentamos.

A Igreja é socialmente ativa no combate à desigualdade?
Sim, temos a nossa ação social com uma rede de pessoas e instituições. Pela minha experiência na diocese onde estou, sempre que estabelecemos uma igreja, uma paróquia, num lugar, esse lugar desenvolve-se, e isso é uma contribuição da Igreja. Mesmo na história das Filipinas é uma coisa que as pessoas muitas vezes não veem: com o estabelecimento dessas paróquias há um aumento da atividade, seja nas atividades relacionadas com a prática religiosa, com a educação, com a defesa das causas, e isso faz parte do desenvolvimento. Portanto, a presença dos missionários, a presença do padre e outros religiosos que trazem a oferta da sua fé, traz também a educação, a construção da comunidade e é também uma contribuição para a sociedade. É assim que as coisas se estão a desenvolver. Muito recentemente, na conferência dos bispos, houve a proposta de dividir algumas dioceses grandes, para que o trabalho pastoral e a sua liderança pudessem estar mais concentrados nas questões locais.

leonidio.ferreira@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt