A primavera perigosa de Trump
É primavera no hemisfério norte. As flores estão a começar a desabrochar, enquanto o sol brilha mais e durante mais tempo a cada dia que passa. No entanto, no que respeita à atualidade internacional, a perspetiva dificilmente é cor-de-rosa.
No Médio Oriente, Israel ameaçou agir militarmente contra a Síria e o Irão. A Arábia Saudita também está a desafiar o Irão, numa tentativa de conter a crescente influência do país na região. No Egito, o presidente Abdel Fattah el-Sisi tem vindo a apertar o seu controlo do poder, usando inclusivamente as Forças Armadas para reprimir opositores políticos, e acaba de obter uma vitória eleitoral fraudulenta. (Os militares árabes nunca aprenderão que a ditadura aumenta o fundamentalismo islâmico e promove a instabilidade?)
Mas essa tendência está longe de se limitar ao Médio Oriente. O presidente Vladimir Putin acaba de assegurar a sua própria vitória eleitoral, em parte graças ao uso dos serviços de segurança e dos amigos destes na máfia russa para eliminar qualquer ameaça potencial ao seu regime. Mas o Kremlin não se satisfaz em prejudicar a própria política da Rússia com o gangsterismo plutocrático; também está a trabalhar para minar os processos democráticos noutros lugares.
Depois, há a China, onde o presidente Xi Jinping preparou o caminho para se tornar o líder mais dominante desde Mao Tsé-tung. Agora que os limites do mandato presidencial introduzidos por Deng Xiaoping para proteger o país contra outra ditadura de um homem só foram eliminados o futuro da dinastia comunista repousa sobre os ombros de um líder supremo.
Até mesmo os Estados Unidos, o país que costumávamos associar à liderança do mundo livre, enfrentam agora perspetivas sombrias. Com líderes como Harry Truman, Dwight Eisenhower, George H.W. Bush, John F. Kennedy e Barack Obama, o país moldou o sistema internacional para melhor. Agora, Donald Trump - ignorante, preconceituoso, enganador, mentiroso e amoral como é - está a destruir esse legado.
Logo a seguir à eleição de Trump houve quem sugerisse que ele se mostraria à altura da situação. Deixado o período de campanha para trás, cabeças mais frias e conselheiros mais sensatos iriam contê--lo e ele inevitavelmente aprenderia como funciona o governo dos EUA. Esse otimismo foi seriamente desajustado.
No seu segundo ano no cargo, Trump está a comportar-se ainda pior do que o seu currículo faria supor, a despedir assessores e outros funcionários sem cerimónia segundo a sua disposição do momento. Recentemente, substituiu o secretário de Estado Rex Tillerson - frequentemente visto como um dos "adultos na sala" que protegeria os EUA e o mundo dos piores instintos de Trump - pelo combativo ex-diretor da CIA Mike Pompeo.
Pior ainda, Trump substituiu o ex-conselheiro de Segurança Nacional, general H.R. McMaster, por John Bolton, que será talvez o responsável pela política externa com as opiniões mais perigosas em todo o mundo ocidental. Bolton é um devoto da "América Primeiro" e um arruaceiro burocrático, adepto da eliminação de rivais.
O mais perigoso é que Bolton é um radical da linha dura na política externa, o falcão para acabar com todos os falcões. Entre os apoiantes mais declarados da invasão do Iraque pelos EUA, Bolton parece pensar que praticamente todos os problemas merecem uma resposta militar. Os atuais conflitos com a Coreia do Norte (onde ele pediu uma ação militar preventiva) e com o Irão (onde propôs repetidamente uma mudança de regime pela força) não são exceções.
Entre Bolton e Pompeo, as hipóteses de os EUA se retirarem do acordo nuclear com o Irão e voltarem a impor sanções a esse país aumentaram. A mera expectativa desse resultado já elevou os preços do petróleo, outro presente de Trump para Putin.
As coisas não estão muito melhores na frente da política económica. Agora que Trump encheu a sua equipa económica de nacionalistas, o protecionismo comercial há muito prometido está a tornar-se uma realidade. É verdade que Trump não está errado ao confrontar a China sobre o roubo de propriedade intelectual e o mercantilismo flagrante. O que está errado é a sua abordagem: em vez de recrutar aliados como o Japão e a União Europeia para pressionar a China, ele enfureceu amigos e inimigos com tarifas unilaterais e outras barreiras insensatas, arriscando uma guerra comercial que prejudicaria toda a gente.
Sem surpresa, o comportamento de Trump erodiu rapidamente a liderança global dos EUA, já que o seu desrespeito pelos valores democráticos liberais enfraquece os pilares institucionais da ordem mundial que os EUA defendiam desde há muito. A única maneira de impedir esse declínio é a ação das outras democracias liberais do mundo, na Europa, na Ásia e na Commonwealth.
Para começar, esses países precisam urgentemente de defender o livre comércio e os mercados abertos. Trabalhando com a Organização Mundial do Comércio, eles devem pôr em marcha um esforço coordenado para responder aos abusos tanto da China quanto dos EUA.
Além disso, esses países devem trabalhar para fortalecer o Estado de direito internacional - um conceito que faz que Bolton pegue em armas - comprometendo-se a fortalecer as Nações Unidas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Isso significa defender os princípios que ajudaram a sustentar a paz e a prosperidade desde os anos 50, inclusivamente apoiando o acordo nuclear com o Irão, enquanto o país continuar a cumprir o seu lado do acordo, e procurar uma solução pacífica para a crise da Coreia do Norte.
Enquanto Trump e a sua equipa continuarem a elaborar uma política prejudicial a seguir à outra, as outras democracias do mundo devem responder de forma eficiente e cooperativa. Só então a comunidade internacional pode esperar até que volte a haver uma liderança americana mais responsável.
Ex-comissário da UE para os Assuntos Externos, é reitor da Universidade de Oxford