A primavera angolana

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A UNITA não tem 44 por cento dos votos. Quem teve, nestas eleições, 44 por centro os votos foi a vontade de mudança. E é a UNITA que representa essa vontade de mudança. Por exclusão de partes, mais do que por mérito próprio.

Depois do regime de partido único, de umas eleições gerais e de uma guerra civil que só acabou em 2002, a democracia angolana tem pouco mais de 20 anos. Um tempo curto para um país que ainda está a aprender a viver com o regime multipartidário pleno e que ainda mantém bem vivas, na minoria de cidadãos maiores de 35 anos, não só as memórias da luta pela independência, como também as feridas abertas por uma guerra civil de quase outros vinte anos.

Desde 1975, esta foi apenas a quinta vez que os angolanos foram chamados a votar. Num país sem tradição de eleições regulares e sistemáticas, que durante décadas viveu sem ir a votos, o ato eleitoral ainda não é um processo adquirido e rotineiro.

O afastamento - e, depois, a morte - de José Eduardo dos Santos, e a sua substituição por uma figura do mesmo regime, mas sem o carisma, oratória, visão estratégica e, sobretudo, sem a áurea quase divina que os angolanos atribuíram a JES, leva o MPLA para um caminho da decadência eleitoral. O bureau político do partido, o Comitê Central de inspiração soviética, o peso do partido no estado, o domínio dos militantes sobre os eleitores, a "tradição" de vitória e as décadas de um regime de partido praticamente único, fazem parte de um passado que não se compadece com as alterações tecnológicas, sociais e demográficas de Angola.

Durante a campanha eleitoral, o MPLA ofereceu camisolas, bonés e bandeiras. Passado. A UNITA ofereceu cartões de telemóvel com dados. Presente.

A juventude de Angola - 75 por cento da população tem menos de 35 anos - pode não ter trabalho, ter pouca instrução e falta de água, energia e comida. Mas tem telemóvel e, com isso, acesso. A informação. Ao que se passa em Angola e no mundo. São jovens digitais, que já não têm memória, nem da guerra civil e muito menos da guerra pela independência. São mais livres e egoístas, sem vontade de endeusar políticos, sem amarras à história e com termos de comparação.

O resultado em Luanda é cristalino. A capital, que para além das instituições, concentra um grande número de população jovem à procura de oportunidades, escolheu a tal mudança. João Lourenço, na declaração de vitória, não soube ou não quis ler estes dados. Falou nos jovens, prometeu mudanças e melhorias, no emprego e na educação, mas não quis reconhecer que em Luanda o resultado é trágico e que os 51 por cento do MPLA cheiram a quase derrota.

Apesar da proclamação da vitória, a UNITA já prometeu continuar a recorrer para todas as instâncias possíveis. Primeiro, esgotando os recursos disponíveis no "direito angolano". E, depois, se for caso disso, levando a questão para fora das fronteiras do país.

Nas próximas semanas, os jovens que reclamam mudança serão decisivos para o futuro próximo de Angola. E, talvez, mesmo que a UNITA não incite nem apoie protestos de rua e manifestações, não é de excluir que a contestação cresça, principalmente na capital. Nesses dias, não vai dar jeito ter uma camisola ou um boné. Mas um cartão de dados será muito útil para a primavera angolana.


Jornalista

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