A presunção de contrato de trabalho nas Plataformas Digitais terá eficácia prática?
A negociação foi difícil, mas a polémica presunção de laboralidade no quadro das plataformas digitais foi aprovada - votos favoráveis de PS e BE -, com o objetivo de regulamentar o modo de trabalho específico num setor em crescimento acelerado.
Estão em causa plataformas como a Uber, Glovo, Bolt, entre outras, que emergiram nos últimos anos de forma exponencial e para as quais prestam serviços milhares de colaboradores, muitos deles estrangeiros, originários de diferentes geografias, que urge dotar de direitos e proteção social.
Atualmente, estes profissionais trabalham sem qualquer vínculo com estas plataformas e, no caso dos motoristas, a chamada lei TVDE - aprovada em 2018 - até impõe a obrigatoriedade de existência de uma terceira parte - o operador de TVDE - a mediar a relação entre o motorista e a plataforma. Aberto o caminho da regulamentação pela lei TVDE, o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho já abordava, em 2021, a necessidade de enquadrar o trabalho nas plataformas digitais, o que veio a concretizar-se no quadro da Agenda do Trabalho Digno, aprovada no passado mês de abril.
O artigo 12º-A, agora aditado ao Código do Trabalho (CT), vem agregar 6 indícios de laboralidade específicos, cuja verificação, na relação entre o prestador da atividade e a plataforma digital, permite presumir a existência de contrato de trabalho. O elenco destes indícios não é cumulativo, bastando a existência de alguns para que a presunção se opere.
Exemplos: a pertença à plataforma digital dos equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados; a determinação de regras especificas quanto à apresentação/conduta do prestador de serviços; a fixação de uma retribuição ou limites máximos e mínimos para aquela; o controlo de qualidade da atividade prestada.
A presunção de existência de contrato de trabalho pode, contudo, ser ilidida nos termos gerais, se a plataforma digital fizer prova de que o prestador da atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, direção e poder disciplinar de quem o contrata. Pode ainda invocar que a atividade é prestada perante pessoa, singular ou coletiva, que atue como intermediário da plataforma digital. Nesta situação, aplica-se igualmente a presunção de existência de contrato de trabalho, cabendo ao tribunal determinar a entidade empregadora.
Seja considerado como empregador a plataforma ou o intermediário, o estafeta/motorista de TVDE passa a estar sujeito às normas do Código do Trabalho que sejam compatíveis com a natureza da sua atividade, nomeadamente quanto ao regime de acidentes de trabalho, remuneração mínima, cessação do contrato, férias e limites do período normal de trabalho.
Foi ainda qualificada como contraordenação muito grave imputável ao empregador a contratação da prestação da atividade, de forma aparentemente autónoma em condições características de contrato de trabalho que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. Espera-se, assim, uma muito maior intervenção fiscalizadora da ACT.
As principais plataformas digitais não se têm mostrado recetivas a integrar nos seus "quadros" os seus milhares de estafetas e motoristas, pretendendo antes, adaptar o seu modelo operacional e "contornar" as novas imposições legislativas. Quanto aos estafetas e motoristas, considerando o enquadramento socioeconómico frágil da maioria, duvido que - de forma ativa e em número expressivo - lancem mão deste regime, colocando em risco a sua própria subsistência.
Se as intenções são nobres e justificadas - dotar estes profissionais de proteção e direitos sociais - são legítimas as dúvidas quanto à eficácia prática e real deste regime, da forma como foi desenhado.
Sócia no Departamento de Laboral da SRS Legal