"A pressão dos serviços é muito grande e a questão da reabilitação não está ainda bem articulada"

Alexandre Castro Caldas, neurologista, explica que ainda falta articular as áreas relacionadas com a reabilitação e que é preciso trabalhar com as famílias para que compreendam o que mudou
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Existem vários graus de traumatismos crânioencefálicos?

Não se pode falar em graus de traumatismo, mas sim de mecanismos de produção do traumatismo e possíveis consequências conforme a intensidade do embate. Podemos dizer que um traumatismo crânioencefálico é uma ocorrência em que a cabeça é atingida por qualquer objeto ou que a cabeça vai embater numa superfície estática. Como resultado disso, os ossos do crânio podem ser lesados, fraturando-se e lacerando os vasos sanguíneos que os irrigam e o encéfalo sofre também lesões de diversos tipos. Estas lesões podem ser resultantes tanto do impacto local da força e eventuais estilhaços de osso que possam penetrar na caixa craniana (ou objetos que a perfurem como no caso das balas) ou, ainda, resultantes dos movimentos gerados pelo próprio encéfalo dentro da caixa craniana. Em geral, são sinais de gravidade do traumatismo a profundidade do coma ou o tempo que durou a perda de conhecimento e a perturbação da memória, designada amnésia pós traumática.

Até que ponto é possível fazer a recuperação destas pessoas?

As lesões do cérebro são em geral múltiplas e diferentes de caso para caso, pois o episódio que as desencadeou é sempre diferente de pessoa para pessoa. Assim há que fazer uma avaliação cuidadosa de cada pessoa, pois as funções afetadas dependem do local do cérebro onde existem lesões. É muito importante que se faça uma avaliação tão precoce quanto possível para que se possa desenhar um plano de recuperação adaptado a cada um.

Existem os meios humanos e técnicos necessários para garantir a recuperação?

Existem, mas são insuficientes para as necessidades. Infelizmente continua a haver muita sinistralidade, sobretudo nas estradas, sendo esta a causa mais frequente desta patologia. A pressão dos serviços é muito grande e a questão da reabilitação não está ainda bem articulada, nem no que respeita a tutela, nem a estruturas de apoio, nem à definição de profissionais envolvidos, nem ainda no que respeita à formação.

O que melhorar para prestar melhores cuidados, hospitalares e de reintegração na sociedade?

Tal como em muitas outras situações da saúde articuladas com questões sociais, há que definir uma política alicerçada fundamentalmente em associações dos interessados que são os que melhor identificam os problemas. Felizmente a associação "Novamente" tem vindo a desenvolver um trabalho exemplar que é merecedor de todo o apoio.

Qual a importância de dar formação aos cuidadores e como é que esta pode garantir melhor recuperação e menos exaustão da família?

Uma pessoa que tenha sofrido um traumatismo crânioencefálico grave constitui, em geral, um problema complexo na estrutura familiar. Há que fazer um trabalho cuidadoso com as famílias para que compreendam sobretudo as alterações do comportamento. Para ilustrar a gravidade destas situações, podemos citar um trabalho antigo, feito na Escócia, que revelou que 50% dos traumatizados tinham tido problemas com a polícia no período de 5 anos após o acidente. Isto significa que há mais agressividade e menor compreensão das situações sociais, o que no contexto da família se torna muito difícil de aceitar.

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