A portuguesa que funde a música do 'triângulo negro'
Aos 29 anos, Catarina dos Santos decidiu que estava na hora de fazer finca-pé e passar a ser ela mesma. Isso não queria dizer mudar a sua vida no East Harlem, um bairro latino de Nova Iorque. Apenas mudar de música. Após mais de dez anos a cantar em bandas de jazz, a coleccionar sons do Nor-deste do Brasil e a procurar os ritmos de Cabo Verde, Catarina desatou a compor.
O resultado ficou gravado no Balanço do Mar, o seu álbum de estreia a solo, que está para ser editado nos EUA e Japão e que ela anda, por estes dias, a promover em Lisboa. Depois de um concerto aplaudido na fábrica do Braço de Prata - a fábrica das revelações na capital -, hoje à noite Catarina sobe ao palco do Centro Cultural de Belém.
Acompanhada por Miroca Paris - sobrinho de Tito Paris e percussionista de Cesária Évora -, Rolando Semedo e Mick Trovoada, amigos e colegas de banda, Catarina dará um concerto diferente daquele de há seis anos atrás, quando fazia parte da banda de jazz do Hot Club.
Foi um dos seus últimos Portugal. Pouco tempo depois, a portuguesa, hoje com 31 anos, partiu para Nova Iorque à descoberta sem nunca renegar as suas origens. "Este novo disco nasce da reflexão da portuguesa que está em mim. Tem a ver com o lugar onde se nasce e a consciência da nossa cultura", disse ao DN.
Catarina cresceu no Barreiro, entre a Baixa da Banheira e o Vale da Amoreira, numa terra onde alentejanos e beirões se arrumam com angolanos, cabo-verdianos e são-tomenses. A rapariga que começou a estudar pintura nas Belas Artes para depois se entregar à música na Escola Luís Villas Boas, não conseguia evitar misturar-se com todos e apanhava-lhes os gestos e os jeitos. Às vezes, conta, chegava a casa e a mãe perguntava-lhe "Mas que sotaque é esse?!"
O crioulo de cabo verde usa-o para cantar algumas das músicas do Balanço do Mar. Outras são em português do Brasil e até numa língua que não existe e que inventou com palavras de várias culturas. As letras são histórias que Catarina viveu e aprendeu ao longo da vida (ver caixa). O Odju Bibo Pé Ligeiro é o único tema com um tom autobiográfico porque fala das pessoas que deixam o seu país para viver no estrangeiro.
Nos anos antes de editar o álbum, Catarina andou em digressão com a Nation Beat, uma banda que mistura o Second Line e o funk de Nova Orleães com o Maracatu do Recife, Brasil, onde foi aprender com os velhos mestres. Além dos cursos de música na City College e na Julliard Scholl, essa experiência ajudou a convencê-la a seguir sozinha.
Hoje, como uma banda de jazz põe os instrumentos a tocar a mesma música cada um por seu lado, Catarina junta os ritmos e as melodias de Portugal, África e Brasil, o 'triângulo negro' como é conhecido etnomusicologos.
Na hora de gravar o disco procurou o melhor desses continentes. Começou a gravar em Lisboa com os amigos de Cabo-Verde e Angola que vivem cá. Depois foi para São Paulo onde recolheu o som de dois músicos com quem queria muito gravar. Os arranjos finais deixou-os para fazer em Nova Iorque.
Quando terminar a promoção do álbum em Portugal vai participar num projecto de música tradicional brasileira. Ao mesmo tempo Catarina dos Santos deverá continuar com as aulas aos alunos no conservatório latino. Quando fala sobre isso começa a contar a história da pandilha da turma de cinco anos. Junta um rapaz de Chicago, um de Porto Rico e outro da República Dominicana. No início de cada aula, o americano roubava o microfone e como um apresentador dizia para a turma "Hello Chicago". E os outros dois começavam a improvisar com um batuque, cada um de seu lado, música do Caribe.