A ponte sobre o rio Trancão

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Até há bem pouco tempo tudo o que estivesse ligado ao rio Trancão era associado ao péssimo cheiro que dele emanava, e que se devia a uma enorme poluição ali concentrada.

Esta semana surgiu uma nova polémica sobre o mal-afamado rio, hoje já liberto do mau cheiro e da sua poluição.

Surgiu uma proposta de dar o nome de Manuel Clemente à ponte que liga os dois lados do campo que acolheu a Jornada Mundial da Juventude.

Apesar de não considerar relevante a atribuição de um determinado nome a uma rua, avenida, praça, ponte ou mesmo beco, a realidade é que é costume generalizado que se utilize essa forma para preservar a memória de alguém que teve um papel na história regional, nacional ou mundial, para a posteridade.

Tão-pouco me parece que seja errado.

Contudo, penso que essa atribuição deve ser feita com o distanciamento de tempo que permita avaliar com maior prudência a justificação da decisão.

Aliás, creio que a norma estabelece que a figura a ser homenageada deve ter morrido pelo menos cinco anos antes dessa atribuição.

Também esta regra me parece cheia de bom senso, até porque não me parece razoável que qualquer ser vivente deva aceitar ver o seu nome inscrito na placa toponímica de uma qualquer rua, avenida, praça, ponte ou mesmo beco, sem se sentir um pouco vítima de bajulação.

No caso que se debateu esta semana, D. Manuel Clemente já veio dizer que não aceitará a oferta que lhe foi feita de colocar o seu nome na referida ponte.

Não sei se lhe foi perguntado antes de se ter tornado pública a homenagem, mas acho que fez o que devia ter feito, e que sem dúvida o deveria ter feito desde o primeiro momento.

Mas aquilo que mais me deixou perplexo não foi a vontade de alguém querer agradar ao senhor D. Manuel Clemente, que termina o seu papel de Cardeal-Patriarca de Lisboa e que assim teria uma homenagem.

É a forma agressiva, obsessiva e de ódio com que os que não concordam com aquela nomeação a condenam.

Que vida vazia, que falta de objetivos superiores levarão algumas pessoas a uma obstinação de lutar com todas as suas forças para impedir que um nome seja colocado numa ponte que, como referi, tem uma importância muito relativa.

Contam que o Dr. Oliveira Salazar terá dito, por ocasião da proposta de dar o seu nome à ponte que o seu governo construiu sobre o rio Tejo, que não deviam gravar o seu nome, e que era melhor pôr apenas uma placa, pois seria mais fácil de retirar quando o quisessem mudar.

Ainda assim, e apesar de ter a consciência clara de que o seu nome muito rapidamente seria retirado da ponte sobre o Tejo, a verdade é que também ele acabou por cair na tentação de aceitar aquela honra humana.

Todos somos tentados por quem nos faz referência e deferência, e todos já caímos nessa tentação.

Mas é pior cair na tentação de fazer guerra ao outro, seja por ódio, ou apenas porque é a maneira de obter visibilidade ou mesmo para obter ganhos políticos.

Não critico quem se opõe nem aqueles que o defendem, critico a maldade com que o fazem e critico o ódio que manifestam, pois ninguém merece ser odiado assim como ninguém deve ser idolatrado.

E como bem disse o Papa, todos devem ser incluídos no amor que devemos ter ao próximo.

E são estes que hoje criticam - aqueles que mais falam dos que devem ser incluídos - e que pretendem eles excluir quem não pensa como eles, que deixam o ódio levar a melhor sobre esse amor.

Chamem-lhe a Ponte do rio Trancão e não se preocupem com a memória que da Jornada, e da mensagem que o Santo Padre deixou: nem os que o odeiam a vão poder fazer esquecer.


bruno.bobone.dn@gmail.com

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