A politização das Forças Armadas
O poder político tem procedido a diversas alterações legislativas que têm vindo a politizar, progressivamente, as Forças Armadas (FA). Isto tornou-se mais evidente aquando da publicação da Lei de Defesa Nacional de 1995, que alterou a metodologia de escolha do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) e dos Chefes de Estado-Maior dos Ramos (CEM). Até aí, o processo era, no essencial, o seguinte: sempre que vagava um dos cargos acima descritos, as FA apresentavam ao Ministro da Defesa Nacional (MDN) uma lista de 6 nomes, no primeiro caso, e de 3 nos restantes, que preenchessem as condições legais para a nomeação. Após a entrada em vigor da citada Lei, a escolha passou a ser feita directamente pelo MDN, que elege quem bem entende, sem qualquer intervenção das FA e sem que se conheça o critério de cada opção.
Em ambas as situações, a escolha era/é prerrogativa e competência do MDN. Até então, a Lei possibilitava, inclusive, ao MDN solicitar mais nomes, se não lhe agradassem os inicialmente propostos.
Se a escolha dos Chefes foi sempre do livre arbítrio do MDN, que razões justificaram esta reorganização legislativa? Vontade de reafirmar o controlo político das FA? Mas alguma vez este foi posto em causa?
Esta decisão teve duas implicações muito graves. Primeiro, criou aos CEM um dilema de difícil solução e equilíbrio: estes, a quem devem lealdade, um dos princípios éticos de maior significado entre militares? À Instituição que os formou e aos seus subordinados, ou ao MDN que os escolheu para dar corpo às suas orientações políticas? Segundo, porque dá uma imagem de partidarização das Chefias e das FA, totalmente indesejável e desajustada.
A impossibilidade de as FA terem uma palavra, mesmo que ilusória, na escolha dos seus líderes, não se compreende. Talvez não seja despiciendo ver como ocorre a selecção dos chefes de algumas instituições fundamentais no funcionamento do Estado Português.
Assim:
· O Presidente da Assembleia da República é eleito pelos seus pares;
· Os presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo são eleitos pelos seus pares;
· Os reitores das universidades e os presidentes dos institutos politécnicos são eleitos pelos seus pares.
Este tratamento diferenciado não é lógico nem compreensível. Tal como nos casos acima descritos, quem conhece o mérito, capacidade e valor de um putativo CEM são os seus pares, que lidaram com ele ao longo de muitos anos, ao contrário do MDN que, em muitos casos, nunca teve qualquer contacto com os candidatos e só pode, portanto, basear a nomeação em critérios políticos.
A reforma agora proposta consolida a total dependência hierárquica dos CEM ao CEMGFA, para todos os assuntos militares. O despacho com o MDN será, apenas, para assuntos marginais.
O governo prepara-se para dar mais uma machadada na estrutura das FA, violando claramente os princípios da organização militar, da coesão e da unidade de comando, imprescindíveis em tempo de guerra, para salvaguarda da responsabilidade em combate e preservação de vidas humanas, e fundamentais em tempo de paz, para que nenhum comandante interfira na acção de comandante subordinado, nem na gestão do pessoal que está sob o seu comando.
Vejamos, agora, o que a nova proposta de lei define nesta matéria e a sua racionalidade.
· O MDN escolhe o CEMGFA. Correcto, dado que é seu subordinado directo.
· O MDN nomeia, embora sob proposta do CEMGFA, um conjunto de titulares da estrutura do EMGFA. Parece incorrecto, dado que o EMGFA é comandado pelo CEMGFA, que deverá ter total autonomia na gestão do seu pessoal.
· Os CEM são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. Também incorrecto, dado que são subordinados do CEMGFA e, como tal, a sua escolha deve ser da inteira responsabilidade deste.
Um outro pormenor muito importante prende-se com a alteração da nova Lei que retira aos CEM a competência para nomear coronéis e capitães-de-mar-e-guerra para a frequência do Curso de Promoção a Oficial General. Esta responsabilidade sobe um escalão e passa a ser do Conselho de Chefes, sendo que estes não conhecem os oficiais dos outros Ramos e é o único órgão cujos elementos são todos escolhidos pelo poder político. É mais um passo no sentido de politizar as FA.
Senhor Ministro
Os militares são os únicos profissionais que têm no seu estatuto o dever de isenção partidária. Constitucionalmente, as FA estão ao serviço do povo português e defendem a Pátria. Não estão à disposição de qualquer outro poder!
Por isso, não as conduzam por caminhos ínvios, tortuosos e que não se sabe onde terminam.
Ten-Gen Ref