A política externa ao estilo de Trump gera tensão internacional
"Interessante ver que os EUA podem vender milhares de milhões de dólares em equipamento militar a Taiwan mas eu não devia aceitar um telefonema de parabéns." Foi assim, no Twitter, que Donald Trump reagiu à indignação que a sua conversa telefónica com a presidente de Taiwan causou. Esta foi a primeira vez que um chefe de Estado ou presidente eleito americano falou com um líder da ilha desde 1979, quando a América encetou a política de "uma só China", depois de reconhecer a República Popular da China.
A reação de Pequim - que vê Taiwan como uma província rebelde - não se fez esperar, mesmo se foi mais moderada do que seria de esperar. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, atirou as culpas para cima de Tsai Ing-wen, acusando a líder taiwanesa de usar uma estratégia "mesquinha". O chefe da diplomacia de Pequim deixou no entanto o alerta aos americanos para terem cuidado a lidar com os assuntos relacionados com Taiwan para evitarem "distúrbios desnecessários" nas relações entre a República Popular da China e os Estados Unidos. E sublinhou: "O princípio de uma só China é a base política da relação" entre Pequim e Washington.
Este princípio rege as relações entre os dois países desde 1979, quando os EUA de Jimmy Carter reconheceram a República Popular da China, admitindo Taiwan como sua parte integrante. Trinta anos antes, Chiang Kai-shek fugira com o governo do Kuomintang para Taiwan depois da vitória dos comunistas de Mao Tsé-tung sobre os nacionalistas. Desde que em 1971 a ONU mudou o reconhecimento diplomático para Pequim, são poucos os países que reconhecem o governo de Taiwan.
Mas tal não impede os EUA de serem um dos mais importantes aliados da ilha liderada desde maio por Tsai Ing-wen, fornecendo-lhe apoio económico e também as armas necessárias para se defender. Há um ano, o presidente Barack Obama assinou um acordo de venda de equipamento militar com Taipé no valor de 1,83 mil milhões de dólares.
No telefonema de dez minutos, Trump e Tsai terão discutido "as relações económicas, políticas e de segurança" entre os EUA e Taiwan, como explicou aos media um membro da equipa de transição do presidente eleito. Já a Casa Branca, que só ficou a saber da chamada já depois de ela ter acontecido, garantiu que esta não alterou em nada a política dos Estados Unidos em relação à República Popular da China. Já Donald Trump, antes mesmo do tweet em que refere a venda de armas a Taipé, escrevera na mesma rede social: "A presidente de Taiwan LIGOU-ME hoje a dar os parabéns por ter vencido as presidenciais. Obrigado!"
Segundo o The New York Times, a Casa Branca já terá encorajado Trump a procurar apoio de peritos em relações internacionais para preparar estes telefonemas com líderes estrangeiros. Mas Trump tem-se mantido fiel ao seu estilo sem papas na língua e pouco diplomático. E apesar das garantias deixadas por Kellyanne Conway, conselheira do presidente eleito, de que este "está perfeitamente a par do que tem sido a política dos EUA" em relação a Taiwan, outros telefonemas anteriores também geraram mal--estar na comunidade internacional.
No início da semana, Trump teve uma conversa telefónica com o primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, que o terá convidado para visitar o seu país. Descrevendo Sharif como "um tipo impecável" - pelo menos de acordo com a transcrição da conversa divulgada pelo gabinete do chefe do governo paquistanês e até agora não desmentida pelo presidente eleito dos EUA -, Trump terá acrescentado estar "ansioso" por conhecer Sharif e visitar "um país fantástico, um lugar fantástico, com pessoas fantásticas".
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Velho aliado dos EUA na Ásia Central, o Paquistão tem sido acusado por Washington nos últimos anos de dar abrigo a islamitas que depois atacam as tropas americanas no Afeganistão. Com tanto entusiasmo em relação a Sharif, Trump arrisca-se a irritar a Índia. Para já, Nova Deli optou pelo sarcasmo, limitando-se o governo indiano a dizer que está à espera para ver como o presidente eleito vai resolver "o problema mais espantoso dos mais espantosos" no Paquistão - o terrorismo, como se lia num comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Uma das últimas polémicas de Trump prende-se com o convite do presidente eleito dos EUA a Rodrigo Duterte para ir à Casa Branca no próximo ano. O presidente das Filipinas disse ter tido uma "conversa muito animada" com Trump, afirmando que este apoia a sua campanha violenta contra os traficantes de droga. No poder desde junho, Duterte defendeu o afastamento dos EUA e uma aproximação à Rússia e à China, tendo mesmo chamado "filho da puta" a Obama.
Sem qualquer experiência política - estas foram as primeiras eleições da sua vida -, Trump parece beneficiar de alguma compreensão por parte da comunidade internacional. Mas esta já manifestou preocupação em relação a várias atitudes do republicano. Como quando se reuniu com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, na presença da filha Ivanka ou quando ameaçou a "relação especial" com o Reino Unido ao ligar a oito líderes antes da primeira-ministra britânica Theresa May, dizendo-lhe depois: "Se vier aos EUA diga-me qualquer coisa." Tudo menos um convite formal.