A política alemã está a inclinar-se para o federalismo
Alguma coisa em mim preferiria que os membros do Partido-Social Democrata alemão votassem contra uma grande coligação com os democratas-cristãos de centro-direita de Angela Merkel. Uma coligação permanente acabaria por fortalecer a extrema-esquerda e a extrema-direita. Sabemos que numa democracia, com o passar do tempo, os governos tendem a produzir forças de oposição de força igual ou superior. Esta seria a terceira grande coligação na Alemanha em 12 anos. É melhor acabar com isso o mais depressa possível.
Mas também há algo em mim que diz que esta coligação em particular pode fazer realmente alguma coisa de útil. O capítulo do acordo preliminar sobre a Europa é surpreendente. A CDU e o SPD aceitam o princípio de uma união orçamental para a estabilização macroeconómica e transformam o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), o fundo de resgate, numa instituição da UE.
O que me surpreendeu verdadeiramente foi a resposta inicialmente silenciosa dos suspeitos habituais à direita. Os deputados eurocéticos da CDU e os seus aliados bávaros, a União Social Cristã, ficaram invulgarmente silenciosos. Assim como os comentadores económicos na comunicação social. A minha única explicação é que eles não leram o capítulo, ou não o entenderam.
O silêncio terminou abruptamente na semana passada com um artigo de Otmar Issing no Frankfurter Allgemeine Zeitung. O Sr. Issing, ex-membro da comissão executiva do Banco Central Europeu, reconheceu, acertadamente, a importância do capítulo sobre a UE no acordo. Sendo um conservador a nível económico, ficou consternado com a facilidade com que a Alemanha levantou a bandeira branca no debate sobre a zona euro. União bancária, união orçamental, sistemas de transferência, tudo isso pode acontecer muito em breve. Foi contra isso que o sistema conservador, ordoliberal, sempre lutou. Eu, pessoalmente, não concordo com a sua visão do mundo, mas eles têm razão ao dizer que o acordo de coligação preliminar é importante.
Este curso de acontecimentos não passará sem contestação. Para começar, os membros do SPD podem votar contra o acordo de coligação. O capítulo europeu é mais importante para Martin Schulz do que para o membro comum do partido. O líder do SPD não fez campanha sobre a questão na campanha eleitoral do ano passado. Ele perdeu muita da sua autoridade desde que deixou o cargo de presidente do Parlamento Europeu para entrar na política alemã há um ano. Os seus apoiantes estão a ficar cansados das suas promessas não cumpridas, como a de nunca trabalhar sob a liderança de Angela Merkel e a sua promessa de não entrar numa grande coligação numa posição secundária.
A liderança do SPD e o mundo exterior estão muito descontraídos quanto à próxima votação sobre a coligação. Os referendos nas democracias parlamentares são intrinsecamente imprevisíveis. Com esta vota- ção, o partido oferece aos seus membros uma oportunidade que eles não tiveram antes. De uma só vez, podem livrar-se do seu próprio líder e da Sra. Merkel. Para alguns, esta é uma tentação a que é difícil de resistir.
Outra fonte de obstrução para a reforma da zona euro é a ascensão da oposição dentro da CDU. O artigo de Issing provocou um debate no grupo parlamentar do partido quando os deputados informaram que as bases estão particularmente infelizes com o capítulo sobre o MEE. A Sra. Merkel salientou que o Bundestag manterá o seu direito de veto sobre qualquer programa do MEE, mesmo que o fundo de resgate se torne uma instituição europeia. Ela disse que o BCE também está alicerçado na legislação da UE, mas é independente.
A sua resposta é tanto verdadeira como enganadora. Alicerçar o MEE na legislação da UE não alterará o direito de veto nacional sobre os programas que são financiados a partir das instalações existentes do MEE. Mas abre novos canais de financiamento e de procedimentos de tomada de decisão no futuro. É preciso analisar a mudança proposta na base jurídica em combinação com os planos para uma união orçamental. Se uma capacidade orçamental recém-criada apoiasse o MEE no futuro, então certamente os governos nacionais deixariam de ter um direito de veto? O dinheiro já não seria o deles.
O Sr. Issing e outros conservadores veem as medidas propostas pela CDU/CSU e pelo SPD como um caminho perigoso para um regime que deixaria de se basear na soberania orçamental e financeira, alicerçada a nível nacional, mas que se dirigiria antes para a governança mútua. Foi sempre disso que tratou o debate sobre a zona euro. É uma variante do antigo conflito entre o federalismo e intergovernamentalismo. Sobre a questão específica da governança da zona euro, a política alemã está a inclinar a balança a favor da visão federalista. Por isso, e só isso, eu provavelmente concordaria com a grande coligação, mas talvez não para um mandato completo.