A polémica sobre a nova Feira Popular faz sentido?
Confesso que me espantei com a forma tão veemente como o Bloco de Esquerda veio criticar o anunciado abandono, por parte do atual Executivo autárquico, do projeto da nova Feira Popular em Carnide.
Vamos a factos: a Feira Popular em Entrecampos encerrou em 2003 e apenas em 2015 Fernando Medina, então Presidente da Câmara de Lisboa, autarquia que estava nas mãos do PS desde 2007, anunciou a construção de um novo Luna Park em Carnide, orçado, na época, em 70 milhões de euros. Passaram-se quase 20 anos desde o fecho da Feira Popular e sete desde que o novo parque de diversões foi prometido. À exceção de umas terraplanagens em 2016, nada foi feito. Não existe plano, nem caderno de encargos, nem abertura de concurso de concessão, Medina esteve na Câmara até final de 2021 e durante seis anos não deu um passo para concretizar o que anunciara.
Carlos Moedas anunciou que o projeto teria de ser repensado, o que faz todo o sentido - tendo até em vista o seu programa eleitoral, que dava prioridade a criar polos de proximidade em detrimento de grandes estruturas de difícil gestão.
Que o Bloco de Esquerda e o PS andem de mãos dadas, neste caso, ainda sob a bênção do espetro do vereador Zé, não me causa espanto. Mas, na minha grande ingenuidade, pensava que no Bloco ainda eram lidas as reflexões de Guy Debord sobre A Sociedade do Espetáculo, "essa droga para escravos" que empobrece a verdadeira qualidade de vida: o que existia na proposta de Medina era uma mega estrutura de espetáculo e, aliás, aquilo que o Bloco continua a reclamar é um grande equipamento de divertimento e entretenimento. Contradições, enfim...
Mas deixemos Guy Debord de lado e passemos à realidade. O atual presidente da Junta de Carnide, Fábio Sousa, da CDU, afirmou, com lógica e razão, estar preocupado com o estado em que os terrenos do anunciado Luna Park se encontram: segundo ele , "está tudo parado e os terrenos ao abandono", invadidos por mato, constituindo um perigo. E, nas mesmas declarações, afirmou-se mais interessado em que ali seja criado um parque verde.
Cancelar o que foi abandonado, rever as promessas falhadas e encarar novas soluções é um ato que revela coragem e um pensamento virado para o futuro. A antiga Feira Popular, que frequentei desde miúdo, vivendo em Entrecampos, era uma estrutura que funcionava em poucos meses do ano. Na maior parte do ano estava fechada, à exceção de alguns poucos restaurantes. A minha convicção é que os lisboetas ficariam melhor servidos com alguns parques de menor dimensão, sobretudo com equipamentos para os mais novos, distribuídos pela cidade. E com um ou dois polos maiores que pudessem oferecer ofertas diferentes.
Este ano, no Rock in Rio, existia uma roda gigante e diversos equipamentos de diversão que ajudavam à festa de quem ia ouvir música. O local onde decorre o Rock in Rio, o Parque da Belavista, está infraestruturado e é utilizado apenas durante um mês e meio, de dois em dois anos. Não seria de considerar que algumas das estruturas que são montadas possam ser mais perenes, complementando a oferta dos parques mais pequenos espalhados pela cidade?
O cancelamento do projeto megalómano de um Luna Park em Carnide não é um problema, é uma oportunidade para repensar a cidade, promovendo alternativas de proximidade. Não valerá mais a pena pensar desta forma em vez de ficar agarrado ao passado?
SF Media