A pobreza

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Um dos temas que mais preocupa os portugueses é o da pobreza. Nenhuma sociedade pode considerar-se desenvolvida, por muita riqueza que produza, se tiver bolsas de pobreza e de desigualdade na sua população. Isto porque a pobreza mina a coesão social põe a nu as desigualdades.

Deste modo, a erradicação da pobreza deve ser uma prioridade em qualquer país desenvolvido.

Divergem, contudo, as formas de proceder a uma tal erradicação. Para alguns ela passa, exclusivamente, pela intervenção do Estado, através de transferências sociais. Para outros, o combate à pobreza exige desenvolvimento e crescimento económicos, assegurando, depois, uma adequada redistribuição da riqueza gerada, seja através do pagamento de salários e criação de emprego, do sistema fiscal, ou do estado social.

Portugal não é exceção neste panorama, com a agravante de ser um país com uma larga faixa da população em risco de pobreza, e em que o facto de se ter um emprego não é garantia de superação da pobreza uma vez que, de acordo com os números disponíveis, cerca de 32% das pessoas em situação de pobreza trabalham.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou, recentemente, a atualização dos dados sobre a pobreza, no projeto Portugal Desigual, da autoria de Carlos Farinha Rodrigues, revelando a evolução dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), realizado em 2022. Os indicadores de nível de rendimento, de desigualdade e de pobreza revelados reportam-se a 2021, já os indicadores de privação material e social e de exclusão social reportam-se à data do inquérito, de março a junho de 2022.

Um primeiro sinal positivo que estes dados revelam é o da redução da pobreza em cerca de dois pontos percentuais. Semelhante evolução positiva, em cerca de um ponto percentual, verificou-se no indicador de desigualdade.

Contudo, a perceção das famílias, essa já registada em 2022, sofrendo os primeiros efeitos da guerra, mas ainda antes dos maiores efeitos inflacionistas, não é tão favorável.

Verifica-se um aumento da percentagem de famílias que afirma não ter capacidade para manter a casa aquecida e o incremento do número de pessoas que afirma não ter capacidade para ter uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de 2 em 2 dias.

Isto significa que, apesar de se ter verificado uma ligeira diminuição da percentagem de pessoas em situação de pobreza de 2020 para 2021, o que é positivo e resulta, em boa parte, da superação dos efeitos da pandemia, a perceção das famílias sobre a sua situação piorou em 2022.

E compreende-se bem essa perceção: um aumento generalizado dos preços, em particular dos bens alimentares e da energia, em parte resultado ainda dos efeitos da pandemia nas cadeias internacionais de distribuição e, noutra parte, fruto dos efeitos da guerra, levam as famílias a concluir que sentem hoje mais dificuldades em enfrentar as suas despesas do que há um ano. E isto apesar da referida ligeira diminuição da percentagem de pobreza.

Aguarda-se, agora, para uma leitura mais completa, pelos dados sobre a pobreza relativos a 2022.

Infelizmente, tudo aponta para a confirmação deste cenário: uma população com elevado risco de pobreza encontra-se especialmente vulnerável perante um quadro de incerteza, uma guerra na Europa e uma tendência inflacionista.

Sem prejuízo da importância das medidas conjunturais que têm sido adotadas, tanto na pandemia, como no atual contexto, para proteger as pessoas e famílias mais vulneráveis, é indispensável, no médio e longo prazo, promover políticas de crescimento económico que assegurem uma maior resiliência perante crises e cenários imprevistos como os que, infelizmente, temos vivido nos últimos três anos.

Presidente do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos

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