A PGR não é da Joana

Há quem diga que a não recondução de Joana Marques Vidal fragilizaria o Ministério Público; é exatamente o contrário. Dizer que a PGR não deve ser substituída por causa das importantes investigações em curso não faz mais do que desprestigiar a instituição.
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Vamos concordar que Joana Marques Vidal teve um bom mandato. Que o funcionamento da Procuradoria-Geral da República melhorou; que o Ministério Público, fruto do incentivo da procuradora, trabalhou com mais vontade; que se quis investigar a fundo todos os crimes, sendo certo que se atacou de forma empenhada os indícios de crimes de corrupção; que não tremeu em face de outros poderes, nomeadamente políticos.

Estou convencido de que é assim que a maioria da comunidade pensa e, assim sendo, devem ser endereçados agradecimentos a Joana Marques Vidal.

Apesar de a Constituição não impedir a recondução ilimitada no cargo, tem sido prática limitar o seu exercício a apenas um mandato, como aliás foi a opinião expressa de Joana Marques Vidal. Assim deve continuar a ser, devendo a PGR ter outro titular.

Inúmeras vozes têm vindo a defender a continuação da procuradora no cargo. Comecemos por aqueles que dizem que seria um erro político a sua não recondução.

O conselheiro de Estado Marques Mendes disse mesmo que seria um "suicídio político" colocar outra pessoa no cargo que não Joana Marques Vidal. O argumento é que se passaria a ideia de que se quereria afastar alguém que é incómodo, que as pessoas pensariam que seria uma forma de tentar bloquear as importantes investigações em curso (a tentativa de condicionamento de quem venha a exercer o cargo é de tal maneira óbvio que nem precisa do mínimo comentário).

Quer-se assim dizer à comunidade que o Ministério Público é uma entidade facilmente manipulável, que funciona de forma legítima ou ilegítima em função de interesses pessoais ou partidários. É tão simplesmente afirmar que se Joana Marques Vidal se mantiver no cargo as investigações continuam, se assim não acontecer não se sabe se continuarão. Ou seja, o Ministério Público - que, aliás, tantas vezes tenho criticado - seria uma instituição sem autoridade e sem poderes próprios e que depende em absoluto de uma pessoa, em que o respeito pela lei não existia e em que os homens e as mulheres do Ministério Público seriam uma espécie de amanuenses. Marques Mendes diz que a não recondução de Joana Marques Vidal fragilizaria o Ministério Público; é exatamente o contrário. Ou seja, quem diz que a PGR não deve ser substituída por causa das importantes investigações que estão a decorrer não está a fazer mais do que desprestigiar a instituição.

Claro que há quem pense que um primeiro-ministro ou um presidente da República deve ter como prioridade a sua popularidade e não cometer o "suicídio político" de defender as instituições e o seu bom funcionamento.

Não fosse suficiente a defesa da Procuradoria, há um argumento decisivo para a não recondução do titular no cargo.

Recordemos, e neste caso não há possíveis diferentes opiniões, que o procurador-geral da República tem um enorme poder, tão grande e, em muitas situações, maior do que o de um primeiro-ministro ou de um presidente da República.

Não há controvérsia em relação à limitação de mandatos em cargos políticos. As razões são conhecidas e é desnecessário voltar ao tema. Basta que se lembre que a permanência no poder por demasiado tempo gera promiscuidade e lógicas de manutenção no poder apenas pelo poder. Quanto mais poder tem um cargo, mais necessária é a limitação de tempo no seu exercício.

Ora, sendo o cargo de procurador-geral um dos que mais poder de facto detêm, tudo recomenda - ainda para mais sabendo que é longo, dois mandatos seriam 12 anos num cargo de enorme poder - que o mandato seja exercido sem recondução. Apesar de a Constituição não o proibir, é essa a lógica da prática constitucional, que ainda mais se impôs depois da experiência falhada de Cunha Rodrigues - que pôs a nu os riscos da repetição de mandatos. Aliás, essa prática seria recomendável noutros cargos dentro do Ministério Público.

Acresce que um presidente da República, por exemplo, é sufragado pelo voto dos cidadãos. Logo, e por maioria de razão, com maior representatividade do que qualquer um que seja de nomeação. Não tem a mínima lógica que os cidadãos não possam votar num político por existir limitação de mandatos e que num cargo com muitíssimo mais poder essa limitação não exista.

Espero que o Presidente da República e o primeiro-ministro não cedam a argumentos que são, na sua maioria, eleitoralistas ou que não passam de agendas que buscam popularidade fácil. A Justiça e as suas instituições são demasiado importantes para que se ande a brincar à politiquice com elas.

O fim da mudança da hora

Esta ideia de querer acabar com as mudanças de hora nos países da União Europeia diz muito sobre a própria.

Tentando mostrar-se próxima dos cidadãos, fazendo até uma espécie de auscultação popular, conseguiu afinal exibir uma ignorância medonha sobre a vida das comunidades e, talvez até pior, mostrou desconhecer a importância da noite e do dia na organização da vida das pessoas. Chega pensar no que seria, não mudando a hora, o dia só raiar às nove da manhã, com a maioria das pessoas já a trabalhar e as crianças nas escolas sem terem visto ainda a luz do dia.

É muito nestas questões do dia-a-dia que as comunidades apreendem ou não que os seus representantes percebem os seus problemas e as suas vidas. Exatamente tudo o que a União Europeia não faz se continuar a querer implementar o fim da mudança de hora.

A morte da pastelaria Suíça

Trabalhei meia dúzia de anos no Rossio, e mesmo assim não me recordo de alguma vez ter entrado na Suíça, mas vou sentir falta dela. Fazia parte da cidade, uma espécie de vizinho como são tantos outros espaços.

As cidades são feitas por nós e nós somos a nossa memória. Espaços como a Suíça atravessam gerações, criam as tais memórias, mas, sobretudo, estão lá. Fazem parte das nossas vidas. Tanto faz que sejam monumentos, retrosarias, salas de bilhar, vendas de lotaria, casas de pronto-a-vestir ou pastelarias.

Sei que a Câmara de Lisboa tem tentado, e bem, manter alguns desses espaços, mas, claro, o fim de muitos deles é inevitável. Morre um sítio desses e há um bocadinho de nós que também se vai. Pronto, é a vida e a morte.

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