A papeira fez com que passasse um ano a ver pornografia no médico

Republicamos este Amor Moderno de março de 2017, uma grande história: "Percebo que um final feliz para esta história seria se Anna e eu tivéssemos tido gémeos saídos do congelador. Mas ela mudou-se para a Austrália pouco depois daquele ano da viagem a Nova Iorque e agora tem duas lindas crianças com outra pessoa."
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Lá estava eu, num quarto sombrio de hospital com alguma pornografia igualmente sombria, dando o meu melhor para produzir uma amostra de esperma. Aos 24 anos, não estava exatamente na idade em que um homem se deveria preocupar com a sua fertilidade. Mas sem saber como tinha apanhado papeira. E a papeira tinha causado um inchaço bastante considerável noutro sítio que não o meu pescoço. Um sítio que é essencial para a fertilidade.

Já não é muito vulgar as pessoas apanharem papeira. É uma daquelas doenças, como a poliomielite ou a rubéola, de que ouvimos os nossos avós falar quando estão a tentar convencer-nos de que a infância deles foi muito mais difícil do que a nossa. A minha mãe teve sempre o cuidado de se assegurar que eu estava vacinado, mas depois de eu ter contraído um caso leve de papeira em criança achámos que o assunto estava arrumado.

Estava de férias em Nova Iorque com o meu melhor amigo, Danny, quando comecei a sentir-me letárgico. As férias começaram com uma noitada na cidade que deliciou dois jovens ingleses que tinham estado a poupar para aquela viagem há muito desejada. No segundo dia senti sintomas de constipação. Ao terceiro, as minhas glândulas salivares bloqueadas começaram a transformar-me em algo parecido com um babuíno ruivo. Enquanto permanecia deitado na cama, Danny pesquisou na internet e rapidamente declarou: "Acho que é papeira!"

"Papeira?", perguntei. "Já ninguém apanha papeira." A sua expressão mudou. "Não entres em pânico", disse ele. "Mas diz aqui que os teus testículos podem inchar, embora seja muito raro." Fechei os olhos e cruzei os dedos para que isso não acontecesse comigo.

O resto da viagem foi para mim uma névoa de quartos de hospital, hotéis aleatórios e um melhor amigo que me carregou para um avião de regresso a casa logo que deixei de estar contagioso. Infelizmente, não tive muita sorte no que respeita àquele último sintoma. Descrever com precisão o efeito da papeira naquela área muitíssimo delicada para um jovem envolveria numerosas analogias com frutas mais parecidas com toranjas do que com uvas.

De regresso a Inglaterra, Anna (minha colega de trabalho, amiga e aspiração romântica) foi-me buscar a Heathrow. Enquanto ela levava as minhas malas para o parque de estacionamento, eu coxeava atrás dela segurando certas partes delicadas. Depois de pagar o bilhete no quiosque, dirigimo-nos para o lugar onde ela tinha estacionado o carro. Vale a pena mencionar neste momento que Anna, por muito que eu gostasse dela, não era alguém que se possa descrever como dando grande atenção aos pormenores.

No quarto piso do parque, a olharmos para um lugar de estacionamento vazio, ela virou-se para mim e disse-me que o seu carro tinha desaparecido e devia ter sido roubado. Isso parecia-me improvável, dada a gigantesca segurança presente em Heathrow e a idade do já muito usado Volvo. Mas eu estava-lhe realmente agradecido pela sua viagem de três horas desde a nossa cidade natal para me ir buscar, por isso fiquei de boca fechada e arrastei-me até ao parapeito daquele piso e olhei para baixo.

Para nossa sorte, verificou-se que os ladrões tinham voltado gentilmente a estacionar o carro de Anna um andar abaixo, diretamente sob o ponto do qual tinha sido roubado momentos antes. Rimo-nos do caso (um de nós mais dolorosamente), descemos um piso e eu instalei-me no banco do passageiro com uma almofada entre as pernas, para a viagem até casa.

Chegámos à saída da garagem e foi aí que Anna percebeu que, sem saber como, tinha perdido o bilhete do estacionamento já pago. Ali estávamos nós, com uma multa previsivelmente grande, dois testículos definitivamente grandes e o conforto da minha cama a parecer cada vez mais longe de mim.

Respirei fundo, saí do carro e coxeei até ao cubículo do vigia. De uma forma calma mas vívida descrevi o estado das coisas dentro dos meus boxers. Jamais esquecerei a expressão de simpatia nos olhos daquele homem enquanto nos encarávamos. Ele levantou a cancela.

Passado poucos meses, depois de ter sido tratado e acompanhado pela minha mãe até me sentir novamente saudável, sentei-me num consultório à espera dos resultados do meu primeiro teste de fertilidade. A papeira pode ter-me evitado uma multa de estacionamento, mas à medida que o médico explicava os resultados do exame vi-me perante um preço mais alto a pagar.

Um segundo teste confirmou o que o primeiro tinha revelado: era improvável que algum dia fosse capaz de conceber crianças. Sentei--me no sofá, de telefone na mão, confuso com as notícias que não tinham impacto imediato na minha vida mas que, no entanto, sabia terem o potencial de me mudar a vida. Aos 24 anos, a minha vida era feita de uma sucessão de decisões a curto prazo. A que bar irei esta noite? Serão estas calças muito apertadas? O que eu tinha perdido não existia no primeiro plano da minha vida, mas em algum lugar num horizonte mais ou menos longínquo.

E no entanto esse horizonte aproximava-se agora com uma nitidez dolorosa. Para todo o lado para onde olhava havia bebés - em carrinhos, ao colo e dentro de alcofas. Quanto mais pensava no assunto, mais me apercebia de que sempre tinha querido ter filhos.

Comecei a entrar em pânico. Teria agora de me resignar a ser o eterno solteiro? Teria de contar a cada potencial namorada antes de as coisas ficarem demasiado sérias? Como iria abordar o assunto?

Durante várias semanas andei a remoer no assunto, como só os jovens são capazes de fazer quando têm dificuldade em enfrentar uma situação (ou recusam fazê-lo). Contei a alguns amigos íntimos e membros da família, mas cada olhar de simpatia ou abraço apenas fez que sentisse ainda mais pena de mim mesmo.

Fui ver um especialista em fertilidade que me disse que, apesar de os meus espermatozoides de modo algum serem brilhantes, o campo da fertilidade no que se refere à papeira é um tanto misterioso. Com tão poucos casos não há muitos dados para trabalhar e é difícil saber quão fértil era uma pessoa antes de papeira, tornando difícil identificar a causa.

A sua solução era pôr-me numa dieta extraordinária. Ele basicamente compilou uma lista de tudo o que eu gostava de fazer e disse--me para deixar de o fazer. Não beber e, bem, não beber. Foi isso.

Os meus fins de semana consistiam agora em ginger ale e limonada. Um amigo insistia também em mandar vir um copo de leite para mim de todas as vezes que pedia uma cerveja para ele, divertindo-se muito com isso. Passei as minhas noites tentando aprender a dançar estando sóbrio.

De poucos em poucos meses, eu saía do trabalho em silêncio, ria--me do sorriso atrevido de Anna quando passava por ela, e tinha o meu encontro com a pornografia no sombrio quarto do hospital. De todas as vezes ficava a saber que nada tinha mudado.

Durante quase um ano, vivi o mais saudavelmente que consegui. Mas com cada novo resultado negativo do teste comecei a aceitar o facto de que nunca teria um filho biológico.

Com o passar do tempo, comecei a pintar uma imagem diferente do meu futuro. Como disse a minha boa amiga Natasha: "Esta é realmente uma ótima notícia. Se ainda quiseres ter filhos um dia, podes adotar, e eles não terão de ser ruivos como tu."

Ela estava certa. Há mais de uma maneira de percorrer qualquer caminho. Se eu nunca pudesse ter filhos, talvez viajasse mais. Certamente que haveria muitas mulheres que não queriam filhos. No curto prazo, pelo menos, reduziria as hipóteses de me ver a braços com um inesperado Tim Júnior.

Quase um ano depois do meu primeiro teste ainda continuava na minha rotina regular: três dias de abstinência, seguidos de um sorriso insolente de Anna, seguido de uma farra de pornografia e uma chamada do médico.

Até que um dia ele disse: "Esta amostra tem material com o qual podemos trabalhar." "O que significa isso?", gaguejei. "Está no padrão exigido para a fertilização in vitro", disse ele. "Podemos congelar o próximo, e você poderá avançar se o quiser utilizar." Na semana seguinte, tinha uma amostra congelada. Foi-me dito que os meus resultados poderiam continuar a melhorar e que eu poderia possivelmente voltar aos níveis normais de fertilidade no futuro.

Saí e festejei. É possível que me tenha oferecido para engravidar todas as raparigas que conheço. Um ano de preocupação, angústia e lágrimas desaparecido numa noite. Eu era outra vez como os meus amigos jovens e idiotas, com a diferença de que também possuía um pequeno espaço alugado num congelador do hospital. O meu futuro era mais uma vez uma tela em branco, tão desconhecido quanto o era antes da minha aventura em Nova Iorque.

Esse teste final foi exatamente há uma década. Eu sei porque acabei de chegar a casa vindo do meu check-up dos dez anos com o especialista em fertilidade.

Percebo que um final feliz para esta história seria se Anna e eu tivéssemos ficado juntos e tivéssemos tido gémeos saídos do congelador. Mas ela mudou-se para a Austrália pouco depois daquele ano da viagem a Nova Iorque e agora tem duas lindas crianças com outra pessoa.

Quanto a mim, quer venha ou não a ter filhos, vou ficar bem. Quando vimos lágrimas nos olhos do nosso melhor amigo perante a visão dos nossos testículos, cada novo dia é um bom dia.

Tim Boomer trabalha como atuário em Boston e escreveu "Evitar conversa de circunstância. Truque para uma vida melhor" no Amor Moderno de 24 de janeiro de 2016.

Exclusivo DN/The New York Times

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