A paixão voltou com os passeios a pé ao fim de semana
Como duas pessoas recém-apaixonadas, nós falávamos sem parar. Estávamos então os dois no início da década dos 30, por isso as nossas conversas incluíam a história e a avaliação de todos os nossos amores anteriores, como eles aconteceram e como acabaram. Falávamos sobre os nossos amores passados para os comparar com o atual.
Teriam alguns deles sido tão grandes como este? Não. Como poderiam ser?
Para nós, apaixonarmo-nos significava não parar de conversar. Falávamos sobre as nossas recordações, os ossos fraturados, os corações partidos e um casamento desfeito. Falávamos sobre as nossas mães, uma judia e uma italiana, constantemente a cozinhar e a alimentar-nos. Falávamos sobre os nossos pais, sem que nenhum deles cozinhasse ou alimentasse alguém.
Falávamos sobre os amigos, presentes e passados. Falávamos sobre as nossas carreiras, sobre como subir a escada do sucesso, como cair dessa mesma escada, mais ou menos inclinada.
Falávamos sobre os nossos sonhos: viagens, casamento, quantos filhos gostaríamos de ter e que nomes lhes daríamos. Com esses temas abordados, voltámo-nos para outros pormenores e outras histórias, as das nossas bebedeiras, as de como nos tínhamos perdido, batido com o carro, roubado um chocolate e caído num lance de escadas do metro antes de uma entrevista de emprego.
Por fim, falámos sobre as não histórias, os factos peculiares e as facetas da personalidade de cada um: os nossos filmes favoritos, o que gostávamos de comer, o que não comeríamos nunca. Ele odiava azeitonas pretas. Passava bem sem pepinos. Eu odiava alcaparras e marshmallows (e o final de Ghostbusters). Ele falava sobre rios e rochas. Eu citava Frank O"Hara e Maiakovski. Comparámos os nossos tempos na corrida dos 5 km.
O tempo nunca chegava e havia tanta coisa para debater. Falávamos sobre as cores das folhas, as formas das nuvens e por que a palavra "excepção" tem um "p" escondido.
Falámos sobre sexo.
Falámos sobre o nosso casamento.
Falámos sobre a nossa nova casa.
Falámos sobre a decoração dela.
Falámos sobre a gravidez.
Falámos sobre o bebé.
Depois falámos sobre o segundo.
Sete anos depois, o nosso casamento estava diferente. Após o cansaço que se instalava a seguir a adormecer as crianças, sentávamo-nos lado a lado na cama, cada um com o seu computador, a navegar na internet. Não conversávamos, não dormíamos, tão perto e, ao mesmo tempo, tão distantes. Esta dinâmica - de estarmos fisicamente juntos, mas emocionalmente desligados - também tinha contagiado a vida quotidiana, com demasiado silêncio e espaço entre nós no sofá e a cozinharmos em lados opostos da ilha da cozinha.
Nós ainda conversávamos, é claro, mas era um tipo diferente de conversa. Falávamos sobre as crianças, o que elas queriam para o almoço, quem iria buscá-las à escola e como gerir os convites para jantar no fim de semana. Falávamos de contas e idas à lavandaria. Falávamos sobre os detalhes da organização do nosso dia-a-dia; essas conversas necessárias eram as rodas sobre as quais giravam os nossos dias.
Já não falávamos sobre sexo, a não ser para tentar descobrir como o fazer com as crianças a irromperem pelo nosso quarto exigindo saber o que estávamos a fazer. Em vez disso, aprendemos a ler a linguagem corporal. Havia um de nós que adormecia antes do outro? Tocávamo-nos, não nos tocávamos, deitávamo-nos de barriga para baixo?
Acontecia eu virar as costas, de corpo curvado, afastando-me assim do meu marido, numa postura de rejeição. Acontecia ele tocar levemente nas minhas costas e sentir o meu corpo a ficar tenso, linguagem corporal para "nada de sexo hoje à noite".
Estávamos tão cansados.
Uma noite saímos para jantar, só os dois. E, enquanto estávamos ali sentados a comer em silêncio, surgiu-me uma memória horrível. Não era uma lembrança de uma experiência que eu tivesse vivido. Era uma lembrança de uma cena de um filme que eu tinha visto.
Em O Despertar da Mente, Kate Winslet, que interpreta o papel de Clementine, e Jim Carrey, que interpreta o do namorado dela, Joel, estão a comer silenciosamente num restaurante quando Joel percebe que todos os casais em torno deles estão calados.
"Somos como aqueles casais entediados dos quais sentimos pena nos restaurantes?", pergunta-se Joel. "Seremos nós os mortos a jantar?"
O meu marido e eu estávamos ali sentados, impassíveis, como mais dois mortos a jantar.
"Nós precisamos de conversar", disse o meu marido.
Esperei que a bomba rebentasse.
"Não", disse ele. "Quero dizer, conversar simplesmente."
Pensei em alguns dos casais mais velhos que conhecia. Pensei em como eles falavam (se o faziam). Não era uma imagem particularmente auspiciosa. Eles conversavam principalmente sobre como era difícil ser-se velho (cabelo pintado, cirurgia plástica, hidroginástica), o tempo (muito calor, muito frio, muita chuva) e os relatórios de saúde diários (uma dor aqui, uma dor ali, insónias, articulações, visão, intestinos, muito sobre intestinos).
Eu conseguia imaginar-nos daqui a 25 anos, a comermos o nosso jantar em silêncio numa qualquer cafetaria e, em seguida, a voltarmos para o nosso apartamento, mais pequeno, para dormirmos, tudo sem sermos capazes de pensar em alguma coisa de significativo para dizer um ao outro.
Decidimos dar um verdadeiro impulso à conversa. Naquela noite, sentámo-nos no sofá com essa intenção. Arrumámos os computadores. Pusemos os telemóveis em silêncio. Olhámos um para o outro e sorrimos. Servimo-nos de um copo de vinho tinto.
"Sobre o que é que queres falar?", perguntei.
"Sobre o que é que tu queres falar?", perguntou ele.
Olhámos um para o outro.
"Ouviste o que disse o Otis?", perguntou o meu marido. "Eu disse--lhe para fechar a torneira enquanto lavava os dentes para não desperdiçar água, e ele ficou muito irritado e disse-me que uma vez eu tinha desperdiçado batatas fritas."
Rimo-nos ambos.
"E no outro dia...", comecei. Parei imediatamente. "Eu acho que nós precisamos de estabelecer uma regra", disse eu. "Não podemos falar sobre as crianças, porque podíamos estar o dia todo a falar sobre elas."
"Tudo bem."
Tentámos novamente. Olhámos um para o outro um pouco mais. Eu reparei como o meu marido ainda tinha uma aparência bonita e musculada. Isso era bom, não era? Quem precisava de falar?
Aquilo não estava a correr bem. Precisávamos de uma abordagem diferente.
Enviámos as crianças para os sogros. Depois fechámos os telemóveis no porta-luvas e guiámos algumas horas em direção a sul, pela Virgínia Ocidental, regressando ao tipo de lugar onde tínhamos realmente conversado pela primeira vez, numa montanha na floresta.
Eu estava com medo. E se não tivéssemos mais nada para dizer um ao outro?
Lembro-me das primeiras horas pela escassez de conversa. Caminhámos e respirámos. Parámos para beber água. Ouvimos os sons dos nossos corpos em movimento no mundo (o tropeçar, a respiração, os espirros) e os sons da natureza com a qual, de repente, eu estava em sintonia: o barulho de um pica-pau, o grito predatório de um falcão, o olhar fixo de uma tartaruga exposta e o restolhar suave de uma cobra.
Durante esse tempo, até o meu monólogo interno era silencioso. Descobri que, com todo o tempo do mundo para pensar, algum dele deve ser gasto a não pensar. Sentimo-nos revigorados, e aliviados por estarmos absortos no ritmo dos nossos passos.
Parámos para almoçar.
Conversámos sobre nada, depois sobre pequenas coisas e, enquanto caminhávamos, esquecemo-nos da tentativa de conversar e acabámos a falar. Estávamos livres da mecânica da vida, portanto a nossa conversa também podia estar. Eu tinha esquecido que há certos lugares que promovem a conversa. Com os meus filhos, por exemplo, eu tinha reparado que se lhes perguntasse durante o jantar o que tinha acontecido na escola eles respondiam sempre: "Nada." Mas no carro, na manhã seguinte, eles transformam-se muitas vezes em tagarelas.
Da mesma forma, durante a caminhada, nós relaxámos e voltámos a conversar. Contámos histórias que nos tínhamos esquecido de contar um ao outro, situações engraçadas acontecidas no trabalho. Brincámos e namorámos, entrando por atalhos. Recordámos também os tempos em que nos tínhamos conhecido, num género inteiramente novo de conversa que vem de se conhecer alguém há muito tempo.
Agora, várias vezes por ano, o meu marido e eu deixamos as crianças durante um fim de semana e vamos passear a pé. Conversámos durante todo o caminho até ao cume da Montanha North Fork na Virgínia Ocidental, a descida dos 29 km dos estreitos no Parque Nacional de Sião, pelos desertos de Dolly Sods e através das montanhas de Vermont e de New Hampshire.
Os casais passam muito tempo juntos ao longo de uma vida. Nós, seres humanos, vivemos muito mais tempo do que antigamente. Alguns de nós ficamos casados com a mesma pessoa durante 50 ou 60 anos. Não é de admirar que fiquemos sem assunto de conversa. Não é nenhuma surpresa que nos juntemos às fileiras dos mortos a jantar. Mas não precisa de ser assim.
Durante as nossas pausas de fim de semana, o meu marido e eu sentimo-nos inspirados por uma nova aliança, uma nova aventura. Sentimos o poder da convivência de longo prazo e uma sensação de termos atravessado uma intempérie da vida e sobrevivido.
Foi assim que começámos a conversar novamente. Foi assim que nos apaixonámos novamente.
Escritora, vive em Pittsburgh, e acabou recentemente um romance.
Exclusivo DN/The New York Times