A ópera chinesa do "bling bling" de Cantão ao estilo militar de Mao
"Imagine a Branca de Neve. Se ela aparecesse aqui, agora, sabia quem ela era. Na ópera chinesa é igual. Quando aparece uma personagem com a cara de determinada cor, o público sabe o que quer dizer." Sofia Campos Lopes, curadora da exposição A Ópera Chinesa, dá as coordenadas para se entender o que está à vista na nova exposição do Museu do Oriente, em Lisboa.
De um lado, personagens; do outro, repertório. Os instrumentos, logo no patamar central do segundo piso, unem os dois núcleos da exposição, preparada para ficar dois anos no museu - uma viagem pela história da ópera chinesa em cerca de 260 peças.
Para falar desta exposição de longa duração é obrigatório mencionar a coleção Kwok On, batizada com o nome daquele que, nos anos 60 do século XX, de forma autodidata, começou a reunir instrumentos e marionetas característicos das artes performativas asiáticas de raiz popular. Em 1971, o conjunto é entregue ao chinólogo francês Jacques Pimpaneau, que alarga o espólio a todos os países da Ásia e sob todas as formas. Em 1999 foi doada à Fundação Oriente e foi o ponto de partida de quatro exposições que decorreram no Museu do Oriente (deuses da Ásia, máscaras, sombras e agora a ópera). Tem atualmente 13 mil peças e continua a crescer.
"É a primeira vez que em Portugal há uma exposição tão completa em torno da ópera chinesa", afirma a mulher de Jacques Pimpaneau, Sylvie, cocuradora da exposição e investigadora do conjunto há 35 anos. "A ópera chinesa aparece tardiamente, no século XI, comparativamente com a Grécia, onde surge no século V a.C.", enquadra, iniciando uma visita guiada pelo piso 2 do museu e pelas vitrinas que escondem figurinos bordados à mão, sapatos e outros acessórios do espetáculo. "Mas não surge do nada. Havia acrobatas e teatro. Quando aparece tem toda esta tradição da representação, havia contadores de histórias e um repertório vasto", acrescenta.
O que se mostra aqui são as várias formas que a ópera foi tomando. "Uma mais religiosa, outra de exorcismo, com o objetivo de caçar fantasmas, a quem são atribuídas as catástrofes e doenças. Não é um teatro de divertimento", nota Sylvie Pimpaneau, antes de começar a circular entre as vitrinas que exibem os trajes das personagens-tipo da ópera chinesa - o protagonista, o cómico, o guerreiro e a protagonista feminina, interpretada por homens. Depois do século XVIII, acusadas de libertinagem, as mulheres saíram da ópera chinesa. Só regressaram em 1911, com a queda do império.
Os atores especializavam-se num tipo de papel, como se vê na recriação do camarim da ópera chinesa, onde se encontram algumas das pinturas de um dos atores que fizeram papéis femininos mais célebres, Mei Lanfang (1894-1961). Nascido numa família de atores, é um dos responsáveis pela internacionalização da ópera entre as duas guerras mundiais.
Sylvie Pimpaneu chama a atenção para as diferenças entre a ópera de Pequim e a de Cantão. A primeira só contém bordados. A segunda acrescenta-lhes as lantejoulas. Numa expressão, bling bling. Em qualquer dos casos, explora o simbolismo. "É um espetáculo completamente codificado e é graças a esta convenção que o público sabe situá-lo e reconhecê-lo", afirma Sofia Campos Lopes.
A narrativa conta-se pela gestualidade exagerada das personagens e pela forma como se apresentam. "O teatro chinês é o oposto do realismo", contextualiza Sylvie Pimpaneau. Ao longo da exposição, vão surgindo marionetas que correspondem às mesmas personagens representadas nos figurinos. No núcleo dedicado ao repertório, acentua-se a ideia de que as histórias se repetem. A Lenda da Serpente Branca é contada na ópera, mas também nas marionetas, em maquetes decorativas ou no teatro de sombras.
A exposição refere também a ópera nos tempos de Mao Tsé-tung, graças a discos e recortes de jornais. O teatro clássico, e seus protagonistas, são perseguidos e enviados compulsivamente para o campo. Em seu lugar aparecem oito óperas revolucionárias que pretendem educar o povo. Uma delas é A Rapariga do Cabelo Branco. As vestimentas perdem os brilhos e ganham corte militar. O modelo clássico começa a ressurgir em 1976, ano da morte do líder chinês. Com Deng Xiaoping reconquista visibilidade.
A coleção Kwok On tem sido enriquecida anualmente. "Cada ano vamos um mês e meio para a Ásia para aumentar a coleção." A próxima viagem começa em janeiro e levará as curadoras à Índia e ao Japão, "que são os países onde temos mais lacunas", afirma a mulher de Jacques. O objetivo, acrescenta, não é apenas adquirir objetos, mas também estudar os rituais.