A nova vida de Michael Fassbender como produtor
Com gorro, vestido de forma muito casual, barba por fazer. É assim que Michael Fassbender enfrenta a imprensa que o espera num hotel de design acabado de abrir em Picadilly. Não é pose de desprezo nem coisa parecida. Fassbender tem estado a mil.
Em outubro passado, estava já a promover Assassin"s Creed, que nos EUA viria a ser um fracasso e em Portugal um êxito que só os millennials sabem explicar, e Uma Luz entre os Oceanos, um melodrama que apenas parece ter servido para conhecer a sueca Alicia Vikander, atualmente a sua companheira.
Promoção, promoção e mais promoção, para não falar nos finais das rodagens de Song to Song, de Terrence Malick, e Alien: Covenant, de Ridley Scott, dois trabalhos apetecíveis que vamos ver nesta primavera.
Mas nesta tarde chuvosa e ventosa de Londres, Michael quer dizer coisas boas de um pequeno filme britânico produzido por si, Código de Família, do estreante Adam Smith, sobre uma família de assaltantes nómadas em que pai e filho estabelecem um conflito que pode abalar a unidade do clã. Uma produção com orçamento reduzido que Fassbender fez por amor no meio de blockbusters para a 20th Century Fox. Podemos pensar que o homem não descansa.
[youtube:hkc5hk33xdA]
"No caso de Código de Família, o que me cativou foi a sua história e a maneira como estava escrita. Encontrei nessa escrita uma energia, uma crueza que não me pareceu um argumento convencional. Quando acabei de ler o guião senti um estalo! Fiquei imediatamente atraído, sobretudo pela temática destas famílias viajantes cuja tradição tem séculos. Pensei logo que o nosso filme poderia provocar algum debate. Claro que também fiquei atraído pela possibilidade de guiar desta maneira", conta com o seu sotaque cerrado irlandês.
Quando se refere à condução, é conveniente elucidar que a sua personagem é um especialista em fugir da polícia a alta velocidade depois de assaltos a bancos e a casas em carros roubados.
"O que mais gostei foi do primeiro e do último dia da rodagem. O que é muito motivador nesta arte é encontrar uma data de pessoas que não se conhecem e que são obrigadas a comportar-se como já se conhecessem há muito para a máquina ficar oleada muito rapidamente. Por isso digo que, além dos atores, a escolha da equipa técnica é crítica num filme. É muito importante a energia e o lado pessoal que se cria num plateau. Fico sempre espantado quando essa maquinaria resulta, e resulta muitas vezes. Fico extremamente lisonjeado em fazer parte de uma equipa assim." Fala como produtor, claro. Sem o deixarmos respirar, perguntamos se depois de produzir não tem vontade de realizar. A resposta surge depois de precisamente respirar fundo: "Seria divertido, gostaria de tentar. Espero que venha a acontecer. Talvez daqui a uns anos..."
Como produtor ou como ator, fala-nos também do que sabe sobre a comunidade itinerante que o filme aborda: "A mentalidade do clã é algo que se torna muito intrínseco entre eles. Dessa forma, é imensamente difícil penetrar naquelas comunidades tão unidas. Além disso, há ainda o conceito do núcleo familiar. Estávamos muito conscientes disso e daí que tenhamos refletido sobre a decisão de a minha personagem querer abandonar o clã. Ele quer sair mas não num contexto normal, ele sabe que está também a quebrar a tradição e que a tradição é sempre aquilo que mais importa. Querer abandonar a comunidade é uma decisão com consequências sísmicas."
Acreditamos que a alma de um ator como Michael Fassbender seja também parecida com a dos nómadas deste filme, sobretudo nesta última fase em que tem feito um percurso sempre em movimento, quase em formato de saltimbanco. "Sim, gosto muito de estar sempre em viagem e de conhecer novos países. Quando se conhece um país através de filmagens a experiência é muito diferente de quando se vai como turista, pois estamos a trabalhar e a ser convidados para o mundo dos locais. É uma maneira muito privilegiada de conhecer um local", confirma-nos. Mas também admite que essa vida o desgasta: "Às vezes, tanto hotel é cansativo. Gosto de ter uma base para regressar sempre. Preciso de recarregar as baterias. A sorte é que gosto mesmo da noção da viagem e, ainda para mais, acabo por viajar de forma luxuosa. Nos meus voos de primeira classe posso dormir à vontade. As minhas viagens não podem ser comparadas com as viagens que estas comunidades de viajantes fazem."
Um ator que não abranda o seu ritmo de rodagens terá uma ligação afetiva com o seu passado de ator? Fassbender é daqueles atores que preconizam o chavão: raramente vê os filmes que faz: "Tenho filmes que fiz e nunca os vi. Ver-me no grande ecrã não é experiência que me dê prazer. Não sou mesmo de revisitar o meu passado de ator." Talvez por isso, por esta altura já esteja de cabeça mergulhada em The Snowman, de Thomas Alfredson, um thriller em que faz par com a sueca Rebecca Ferguson.