A nova vida dos Dead Combo no Odeon Hotel

Pedro Gonçalves e Tó Trips estão de regresso, um disco no qual expandem o seu universo musical a territórios nunca antes explorados
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Se naquela noite, algures em 2001 quando se conheceram, alguém lhes dissesse que 17 anos depois estariam a dar entrevistas durante dois dias seguidos sobre um novo disco dos Dead Combo, o mais certo era Pedro Gonçalves e Tó Trips mandarem tal pessoa dar uma volta. "Não estávamos à espera de nada, talvez apenas de tocar uma ou duas vezes na ZDB e pouco mais. Não tínhamos canções, não passávamos na rádio, éramos assim uma espécie de ovni", diz Tó Trips.

Reza a lenda que foi depois de um concerto do músico americano Howe Gelb, ali para os lados do Jardim do Tabaco, em Lisboa, que a coisa começou a tomar forma. "Não é lenda, é mesmo verdade", afiança Pedro Gonçalves, lembrando que Tó Trips lhe pediu boleia para o Bairro Alto, mas como não tinha carro nem carta de condução acabaram os dois por ir a pé. Durante a caminhada nasceram os Dead Combo. "Andámos os dois no D. Pedro V e conhecia-o de vista, da música, mas não éramos propriamente amigos. Na altura, andava cansado de estar em bandas. Adoro rock, mas já estava farto da dinâmica e o Pedro também estava saturado da cena do jazz", lembra Tó Trips, que durante o passeio falou ao futuro companheiro de um projeto que tinha em mente. "Disse-me que era uma coisa inspirada no Carlos Paredes. Fez--me um bocado de confusão porque não percebia muito bem como é que o Tó Trips, dos Lulu Blind, casava com esse imaginário, mas mal o comecei a ouvir tocar fiquei logo convencido", recorda, por seu turno, Pedro Gonçalves.

Juntos, criaram, como Tó Trips a classifica, "uma sonoridade muito única, com um pé no passado mas ao mesmo tempo atual", que os haveria de tornar uma referência da nova vaga da música portuguesa, surgida no início do novo século. "Foi também uma altura em que as pessoas começaram outra vez a gostar de música portuguesa. Tivemos um bocadinho de sorte nesse aspeto", acrescenta Pedro Gonçalves. Não será no entanto só isso a explicar o sucesso dos Dead Combo, que ontem editaram o novo Odeon Hotel, o sexto disco de originais da dupla, no qual, pela primeira vez, contaram com mais músicos. "De certa forma, este disco marca uma nova vida para os Dead Combo, porque há mais gente a participar nele", concorda Tó Trips. Em estúdio, juntaram-se à dupla a bateria de Alexandre Frazão, a percussão de Mick Trovoada, a viola de Bruno Silva e os saxofones de João Cabrita, enquanto ao vivo, além do baterista, apresentar-se-ão acompanhados de Gui (dos Xutos & Pontapés) nos sopros e de António Quintino no contrabaixo e guitarras.

"Vai ser também a primeira vez que vamos tocar um disco de originais ao vivo, em formato de banda", reconhece Tó. Não é todavia inédito nos Dead Combo o recurso a músicos convidados, o processo é que foi diferente desta vez, como explica Pedro: "Normalmente fazíamos tudo sozinhos e depois convidávamos as pessoas para acabar o prédio. Desta vez chamámos as pessoas para nos ajudar a construir tudo de raiz. Penso que foi a primeira vez que realmente trabalhámos como banda, na verdadeira aceção da palavra."

A principal mudança foi o inédito recurso a um produtor, o americano Alain Johannes, habitual colaborador de nomes como Queen of Stone Age, PJ Harvey ou Chris Cornell, entre outros - até agora, todos os trabalhos dos Dead Combo tinham sido produzidos pelos próprios. "Foi um desafio que nos propusemos, esse de chamar alguém de fora, para conseguimos fazer coisas que ainda não tínhamos feitos. Só por nós já não estávamos a conseguir alargar o nosso universo e chamámos alguém para nos ajudar a fazê-lo. A verdade é que o Alain, com muita sensibilidade e de forma muito discreta, levou-nos a sítios onde nunca imaginámos e, depois de lá chegarmos, percebemos que fazia todo o sentido estar ali", sustenta Pedro Gonçalves.

Uma das características que salta a à vista é o recurso à bateria como instrumento principal, que faz de Odeon Hotel "um álbum muito mais rock", como o caracteriza Tó Trips. Para o músico, o facto de os Dead Combo serem apenas uma banda de dois elementos "acaba por tornar o trabalho mais limitado", mas também "torna mais fácil essa abertura para a mudança". A grande dificuldade da continuidade, afinal, passa mesmo por inovar em algo que já se faz há muitos anos. "Todas as bandas passam por isto, e é saudável, especialmente em projetos como o nosso, que criam uma identidade muito própria, poder vir alguém de fora para nos alargar horizontes. Ter uma identidade é importante, mas com o tempo isso também acaba por funcionar como um muro que não nos deixa ir mais além", defende Tó Trips.

Outra novidade é a inclusão de um vocalista, nada mais nada menos do que o cantor americano Mark Lanegan, convidado para interpretar o tema I Know, I Alone, feito a partir de um poema, com o mesmo nome, da autoria de Fernando Pessoa. "É um artista que admiramos muito e lembrámo-nos de o convidar. Não só aceitou como disse que conhecia a nossa música. Foi uma total surpresa", conta Pedro Gonçalves. Enviaram-lhe então alguns poemas de Pessoa, mas meses depois acabaria por ser o próprio Lanegan a sugerir I Know, I Alone. "O mais engraçado é que quem gravou a voz dele, em LA, foi o Alain, que estava na altura a produzir o novo disco do Mark. Isto antes de sequer sabermos que seria também ele a produzir o nosso disco."

Os Dead Combo e Mark Lanegan vão também juntar-se em palco no Festival de Paredes de Coura, a 18 de agosto - "a ideia é tocarmos essa música e mais algumas dele, com arranjos nossos". Antes, porém, os Dead Combo vão andar por aí, um pouco por todo o país, na companhia dos seus novos amigos, a apresentar Odeon Hotel.

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