A nova estrela de Lisboa

Em dezembro foram anunciadas, em Valência, os novos restaurantes portugueses que passaram a pertencer à constelação Michelin. Em Lisboa, a novidade foi o Cura, liderado pelo chef Pedro Pena Bastos. Uma nova estrela a brilhar dentro do Ritz.
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Não são muitos aqueles que se aventuram portas adentro de um hotel de luxo para frequentar um restaurante no seu interior. A passagem pelo lobby e pelos empregados ainda causa algum desconforto e estranheza. O ainda deve ser sublinhado porque aos poucos começa a entrar no imaginário dos comensais portugueses que há grandes e boas surpresas dentro de muitos hotéis não só em Lisboa, mas também no Porto e no Algarve. Restaurantes com assinatura de autor e que merecem uma visita pelo ambiente e pela experiência no prato e não apenas para fechar um negócio ou fazer o discreto lobbying político.

Se já antes da pandemia começou a surgir a tendência de os chefs de alta gastronomia fazerem parcerias com hotéis, agora é cada vez mais uma certeza - sobretudo pela disponibilidade financeira das multinacionais hoteleiras na aposta em chefs de renome e batalhões de cozinha para almejar estrelas Michelin e outras distinções. Mas este é um texto sobre comida e não sobre números. É o que está no prato e o que o rodeia que interessa para estas linhas. E interessa falar do Cura, o restaurante que fica ao fundo e depois à esquerda do lobby do hotel Ritz - fica a dica para os mais tímidos - e que desde dezembro tem o seu nome no livro encarnado do Guia Michelin de 2022. É um dos cincos novos restaurantes premiados elevando a um total de 33 os restaurantes em Portugal que podem exibir a placa da estrela, ou estrelas, Michelin à porta.

O Cura abriu em 2020, com a cozinha liderada pelo chef Pedro Pena Bastos, 31 anos, o jovem cozinheiro que já foi baterista numa banda de rock esteve antes na cozinha da Herdade do Esporão (que este ano também foi distinguida com estrela Michelin) e no restaurante Ceia, em Lisboa. Logo no dia a seguir a receber a sua primeira estrela, falou ao DN, e ainda quase sem fôlego da noite de celebração da cerimónia que se realizou em Valência, Espanha, contando ter sido um "bom momento sentir o reconhecimento e poder estar perante um painel de chefs tão conhecidos" e que fazem um trabalho tão bom para o país. "Espero poder contribuir da mesma forma." Semanas depois, na visita do DN ao Cura, o chef reconhecia que já se fazia sentir o lastro da estrela e as reservas e o regresso à vida "normal" com menos incidência da covid-19 aumentavam a "responsabilidade e o trabalho".

Mas estamos no Ritz, e apesar da identidade própria do restaurante, estamos no hotel que nos últimos 63 anos tem sido um dos líderes da hotelaria de luxo em Portugal. E para se perceber melhor o contexto do "jovem" Cura há que relembrar que é um edifício - projetado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro - que tem na sua estrutura e nos seus 15 pisos obras de Querubim Lapa, Lagoa Henriques e Almada Negreiros, só para mencionar alguns. O espaço de restauração, desenhado pelo arquiteto Miguel Câncio Martins, é clássico e intemporal, com cozinha aberta para assistir ao "bailado" da preparação final dos pratos. O staff de mesa é profissional e simpático e não chateia com a maratona de processos e ingredientes que muitos restaurantes de alta gastronomia teimam em declamar antes se poder comer algo.

Na visita do DN ao restaurante, o menu de degustação, da qual fazem parte uns momentos para despertar o palato, foi constituído por: peixe azul, citrinos e sésamo; cebola com trufa preta e trigo-sarraceno; lula com avelã, bergamota e caviar; um momento de pausa a meio do menu, o "momento do pão" com pão de trigo ancestral (pão de leite, manteiga das Flores e azeite verde); e para finalizar dois pratos: pregado seguido de pombo. A terminar o menu, a sobremesa de cacau, cogumelos, chá preto e caramelo salgado e ainda figos e cardamomo com coco e eucalipto, pinheiro e pinhão. A acompanhar o menu, que no total tem 12 momentos, vários vinhos, da Bairrada, ao Douro, da sub-Região do Lima a Lisboa, escolhidos pela escanção Gabriela Marques. Com a sazonalidade, algo que Pedro Pena Bastos faz questão de seguir, é natural que alguns destes pratos e vinhos mudem conforme as estações. Fica a nota.

O Cura é assim a nova estrela (Michelin) da restauração em Lisboa, dentro de outra estrela da cidade: o hotel que tem a suite presidencial mais cara da cidade, 19 mil euros por noite.

filipe.gil@dn.pt

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