A noite em que o fado reinou no São Carlos
Não é, de todo, habitual, que uma casa de atividade lírica como o Teatro Nacional de São Carlos (Lisboa) receba no seu palco não um, mas quatro fadistas. O convite foi feito pela própria Orquestra Sinfónica Portuguesa, que quis também celebrar a consagração do fado a Património da Humanidade com um concerto que teve tudo para ser especial. E foi.
Se por um lado não é comum o Teatro Nacional de São Carlos acolher concertos de fado, também não tem sido prática corrente vermos num mesmo palco diferentes gerações de fadistas a partilharem esta música. Mas é extremamente saudável essa troca de experiências, esse partilhar de afinidades. A noite de sábado, aliás, terminou com os quatro fadistas juntos a cantar no mesmo palco: Carlos do Carmo, Carminho, Camané e Mafalda Arnauth.
Antes destes fadistas, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo maestro Vasco Pearce de Azevedo, interpretou Fandando, Suite Alentejana n.º1, de Luís de Freitas Branco. Pouco depois Mafalda Arnauth entrou em palco e interpretou cinco fados: Meus Lindos Olhos, Brilhante Dança, Serás Sempre Lisboa, O Mar Fala de Ti e Audácia - "só consigo viver a vida com amor e audácia", assim apresentou Arnauth este último tema.
Camané foi aquele que arrancou do público que esgotava o São Carlos os aplausos mais entusiastas, logo com Mais um fado no fado, o seu primeiro tema da noite. Cantou ainda a Marcha do Bairro Alto, Brado, a bem humorada Guerra das Rosas ou Sei de um Rio. Os arranjos para orquestra de Mário Laginha, Filipe Melo e Filipe Raposo para estes fados permitiram a intersecção perfeita a solenidade clássica da Orquestra Sinfónica Portuguesa e a raíz fadista de Camané.
O mesmo aconteceu quando Carminho cantou Escrevi teu nome no vento. Antes já tinha dado voz a As pedras da minha rua, Malva Rosa, Talvez e Cabeça de vento.
Já Carlos do Carmo, no final, deu voz a alguns dos seus fados mais célebres: Duas lágrimas de orvalho, Cacilheiro, Gaivota, Um homem na cidade e Canoas do Tejo, esta última acompanhada pelo público, naquele que foi um dos momentos mais importantes, mesmo a nível simbólico, da noite. O fado, a orquestra do São Carlos e o público unidos como um só. Daí ter sido visivel a emoção de Carlos do Carmo, que não deixou de lembrar que os arranjos destes fados são da autoria do "saudoso amigo" Bernardo Sassetti.
A noite terminou com os quatro fadista a interpretarem o célebre Estranha forma de vida sem a amplificação dos microfones. O público aplaudiu de pé e pediu por mais. No sábado o fado reinou no São Carlos.