A noite dos ases e animais de palco

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\t\tO dia do peso. À segunda noite de concertos, Paredes de Coura acolheu menos chuva e alguns «incêndios». E ofereceu confronto entre várias gerações de rockers, permitindo ao público observar uma genealogia em trânsito, desde 1964 até aos nossos dias. A pontuação, se a houvesse, iria em massa para os mais velhos, sobrando algumas reguadas para os seguidores.


MC5. Wayne Kramer mostrou-se espantado com a recepção a temas que no final dos anos 60 viviam na sombra dos grandes colossos (suicidas ou comerciais) e emergiam em locais de culto, como o Grande Ballroom, de Detroit, em que os poucos acólitos se juntavam para experiências selváticas de rock'n'roll. Muito à frente, a paredes meias com Stooges, New York Dolls e The Rationals, os MC5 aceleraram o tempo e chegaram às fórmulas primitivas do punk inglês.


Quase 40 anos depois, surgiram um pouco mais brandos, e até inseguros no primeiro quarto de hora. Mas foram crescendo, alimentados pelo público e pelos convidados, que se integraram com distinção no espírito da banda. Mark Arm, dos Mudhoney, assumiu a responsabilidade de reproduzir alguns clássicos, sob o olhar aprovador de Kramer.


Nick Royale entrou no debate de guitarras e argumentou até ao último riff. E a cantora negra ofereceu os momentos mais brilhantes do espectáculo. Oscilando entre a crueza e a soul, traziam imagens dos primeiros pogo e slam dance, emprestando-nos também a visão de um deslizar de moto ao final da tarde. Aclamados por gente nascida muito depois da sua separação, em 1972, terminaram com entusiasmo pueril gritando «Soul power!».


A seguir houve um ruído intruso entre os gigantes, uma argamassa de som chamada Mondo Generator. Nick Oliveri (que rompeu este ano com os Queens of the Stone Age) pode ser visto como cavernoso e provocador. Pode ser visto como um bera. Mas não passa de um chato e de um grunho.


Mas tudo bem. Acabou depressa. E depois, senhoras e senhores, depois vieram os Motorhead. Se há banda mítica ainda a mexer, e a mexer de forma intacta, ela só pode ser os Motorhead. Um concerto dos Motorhead não é um concerto qualquer. Leva tempo a preparar. Há tensão, suspense. Cria-se uma parede de colunas Marshall, abre-se um lençol com esqueletos e ouve-se Lemmy Kilminster dizer «We are Motorhead, and we're gonna stop the rain». E acredita-se.
São meninos para isso. Ao fim de três temas, com as cabeças já chocalhadas e embrutecidas, Lemmy quer aumentar o som. Alguém lhe explica que não é possível, que está no limite. Mas o vocalista insiste. «Just try it. Fuck it». A jarda dos Motorhead é única e a voz de Lemmy incomparável. É um timbre de velocidade, de motor engasgado a rebentar. E o som ressuscita Hell's angels e punk rockers. Exuma cadáveres, dá vida a zombies. Já no encore, com Ace of Spades e Overkill, sentia-se que aquele trio, por muito bronco que seja, é a gema do espectáculo rock total.

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