Faltavam ainda alguns minutos para a hora combinada quando me encontrei com Dálio Calado numa das mesas do restaurante Viseversa, no recém estreado hotel Hyatt Regency, na lisboeta rua da Junqueira. Eram 10 horas de um dia soalheiro, daqueles que nos fazem esquecer que estamos em pleno inverno, mas cedo demais para um brunch. A hora do encontro ficou assim combinada porque havia um voo para o Porto que o diretor executivo do grupo Hyatt para Portugal tinha de apanhar dali a alguns minutos. E essa vicissitude deu a este brunch o tom de pequeno-almoço..À minha chegada encontrei Dálio Calado de volta do seu smartphone a trabalhar já há algumas horas e com o seu pequeno-almoço já tomado. Aliás, o conceito de manhã já não lhe fazia sentido tal a azáfama de assuntos tratados desde bem cedo, por isso mesmo acompanhou-me com um simples café e um copo de água, enquanto eu não resisti a servir-me do buffet de pequeno-almoço: pedaços de kiwi num míni frasco de compota, pão de massa mãe de uma padaria de Setúbal, queijo, fiambre de aves e um "balde" de café, o tal a que chamam de americano. E coincidências à parte o início a conversa levou-nos até aos Estados Unidos..Dálio Calado nasceu, viveu e estudou em Portugal até aos 20 anos. E foi com essa idade que decidiu ir para Nova Iorque trabalhar na área da música. Contudo, aos poucos, a restauração e hotelaria começaram a entrar na sua vida e a crise na industria da música que se fez sentir em 2003 deu o empurrão que faltava. "Com a introdução do MP3 a área musical sofreu muito e comecei a trabalhar em part-time em restaurantes para pagar as contas, mas comecei a tomar o gosto"..Por volta de 2007, já fora da industria musical e em exclusivo a trabalhar em bares como mixologista, percebeu que existiam oportunidades nessa área. "Comecei a ter alguma exposição e fui várias vezes convidado para alguns programas na televisão". Quem o quiser comprovar basta procurar pelo português no YouTube e encontrar ver alguns vídeos - num deles a fazer um cocktail chamado White Christmas num programa da manhã na televisão americana..Dálio Calado começou então a trabalhar para algumas marcas de bebidas, entre eles o licor Saint Germain que diz ser conhecido como "o ketchup de todos os barman". Foi embaixador de marcas o que lhe continuou a valer uma considerável exposição mediática com idas frequentes às televisões, rádios e eventos em Nova Iorque..E apesar de estar do outro lado do Atlântico, Portugal continuou a aparecer-lhe amiúde na vida, como quando fez parte do júri do primeiro evento do mundo de cocktails com vinho do Porto, que decorreu em Nova Orleães, juntamente com George Sandeman e David Wondrich, "um escritor e historiador de bebidas muito conceituado", explica..Depois começou a fazer consultora a solo na área, e em 2009, e foi convidado por um grupo de investidores para abrir restaurantes. "Abri quatro em Manhattan, todos diferentes. E entretanto, casei-me, divorciei-me, casei-me outra vez e tive o primeiro filho. Foi isso que fiz dos 27 aos 31 anos de idade, não tinha vida". Quatro restaurantes, numa das cidades, ou melhor, numa das zonas mais competitivas do mundo. Desde um deli a um gastrobar, sendo que o maior sucesso foi com um napolitan style pizza bar na rua 46 com a 5.ª Avenida, recorda. Por 2013 e com alguma divergência de ideias com os então parceiros, os negócios dos restaurantes são vendidos..Entretanto, e entre goles de café, perguntei-lhe se a música tinha ficado definitivamente no passado. Confirmou prontamente mas também num ápice explicou que é algo que o continua a acompanhar diariamente na sua vida profissional. "A música e a luz são o sal e a pimenta na experiência de restauração. Hoje gasta-se mais dinheiro em luz e música do que em sofás e cadeiras, porque isso que cria ambiente". Nas suas funções atuais desenvolve conceitos e melhoramentos de performance em restauração e tem a música e o design como ferramentas fundamentais. Ajuda o facto de, às tantas e sem saber bem porquê, ter tirado um curso de design gráfico..Regressando ao seu percurso, depois dos tais quatro anos de azáfama profissional (e pessoal) nos restaurantes no centro da Big Apple, Dálio decidiu descansar e rumou a sul para as boas temperaturas de Miami ganhar energias. Mas foi sol de pouca dura, já que voltou ser desafiado a voltar para Nova Iorque e trabalhar com o conceituado chef Geoffrey Zakarian no restaurante The National - um dos clássico de Manhattan que está entre os 30 melhores restaurantes da cidade. Uma experiência curta, explica, porque entretanto o grupo Marriot convidou-o para ser diretor de restauração do Essex House Hotel. "Foi na altura em que os grupos de hotelaria começaram a despertar para a restauração. Esta foi a minha primeira grande experiência no american corporate style" - diz com o seu sotaque norte-americano irrepreensível - "E não foi nada fácil, admito. Andei uns meses a patinar"..CitaçãocitacaoJosé Meireles é uma das suas referências. "É um dos empresários da restauração mais conceituados em Nova Iorque, e não nos podemos esquecer que foi ele quem deu trabalho a Anthony Bourdain.".Mas no final, sublinha, que mais esta experiência correu "muito bem". Mas, e há sempre um mas, passado algum um tempo saiu para ir trabalhar com o chef Todd English."O chefe já me conhecia porque o circulo da restauração em Manhattan é pequeno, sobretudo ao fim de 15 anos no setor". Faz uma pausa no relato do seu caminho para falar de outro português com sucesso em Nova Iorque, José Meireles, que é uma das suas referências. "É um dos empresários da restauração mais conceituados em Nova Iorque, e não nos podemos esquecer que foi ele quem deu trabalho a Anthony Bourdain.".Voltando à sua vida profissional, conta, com vaidade, que alguns meses mais tarde o grupo Marriot volta a convidá-lo para uma experiência diferente. Ir para sul dos Estados Unidos, mais concretamente numa ilha da Florida perto do parque nacional de Everglades não para descansar como já havia feito, mas para liderar uma das maiores operações de restauração que existem na América, o JW Marriot de Marco Island - uma ilha artificial criada há 50 anos..Por lá teve uma das maiores experiências da sua vida: "Cheguei lá em 2016 mas em 2017 chegou um furacão de categoria 5, que partiu tudo. Foi uma grande aprendizagem. Nunca tinha lidado com uma catástrofe, e fazer a gestão numa catástrofe..., não tem piada nenhuma ter uma lista de mais de cem pessoas e andar à procura para saber se estão vivas. Foi um trabalho horrível". Mesmo assim, o que lhe reaviva a memória desse tempo nessa espécie de caraíbas americanas foi a mentalidade das pessoas: "Viver com sol faz as pessoas mais felizes. Havia muitos cubanos com uma mentalidade parecida com a portuguesa." Lá ainda teve tempo de colocou um dos bares do resort no top 12 do ranking da Conde Naste. "Com uma oferta de mais de cem runs e experiências de harmonização com charutos"..E depois desse projeto Portugal voltou a cruzar-se no seu caminho. "Depois de algum tempo com "vida boa" na Florida, ligaram-me a dizer que tinha aberto uma posição de executivo no Algarve. Pesquisei, falei com pessoas na corporação, e depois aconteceu tudo muito rápido e vim para Portugal"..Estava-se em 2019, numa altura em que ninguém no mundo adivinhava a pandemia que se seguiria e que afetou como nunca o setor da hotelaria. Mesmo assim, Dálio Calado tira algo de positivo do período pandémico. "Foi uma altura para pensar, refletir e arriscar"..Agora, há quase quatro anos a trabalhar em projetos em Portugal, consegue notar as diferenças entre a Europa e os 20 anos que trabalhou nos EUA. "A nível profissional foi um choque muito grande. A nível económico nos EUA olha-se para cima, para as vendas, em Portugal olha-se para o custo, é sempre o custo". Contudo, ressalva, a nível de recursos humanos em Portugal as pessoas são formadas querem fazer carreira enquanto nos Estados Unidos são aspirantes a atores, músicos ou artistas..Em 2022 assume a parte de head of Food & Beverage para a empresa proprietária, UIP do grupo, IFA Hotels and SA, uma empresa que pertence a uma família do Kuwait e que tem hotéis no Dubai, e também em Moçambique e África do Sul e, naturalmente, no Kuwait. Aliás, por este dias é o Médio Oriente que está a ganhar preponderância na sua vida profissional, isto porque vai assumir alguns dos hotéis no Dubai, numa divisão dedicada à hospitalidade. "Apesar de Nova Iorque continuar a existir e ser uma referência com aquela mistura de várias culturas, o Dubai está na vanguarda da hotelaria e procura sempre o que é novo. O Atlantis Royal , que acabou de abrir, gastou 24 milhões na performance da Beyoncé numa noite e tem como lema: queremos fazer aquilo que nunca foi feito!.".Citaçãocitacao"O covid-19 deu cabo da industria hospitaleira. Tem que se valorizar mais as pessoas que preparam a nossa comida. Dentro do setor, costumo perguntar quem é a pessoa mais importante no restaurante e se não me responderem que é quem lava os pratos, é porque não percebem nada de restaurantes"..Mas Portugal não vai ficar de lado nas suas viagens profissionais, até porque há um grande projeto do grupo a abrir no Porto - daí o voo que se aproximava a passos largos e colocava algum stress na nossa conversa - o hotel na Quinta Marques Gomes, em Gaia. Um projeto que irá abrir em finais de 2024 e que se junta ao restante portefólio de hotéis do grupo ( Pine Cliffs, o Sheraton Cascais, e o Yotel no Porto). Segundo Dálio vai mudar o setor hoteleiro na cidade do Porto..Apesar do otimismo inerente nas palavras de Dálio Calado, faço uma espécie de contraditório. E o que corre menos bem? - insisto em perguntar. "A mão de obra é um problema. O covid-19 deu cabo da indústria hospitaleira. Tem que se valorizar mais as pessoas que preparam a nossa comida. Dentro do setor, costumo perguntar quem é a pessoa mais importante no restaurante e se não me responderem que é quem lava os pratos, é porque não percebem nada de restaurantes". Além disso, acrescenta que ainda há algum receio de arriscar, sobretudo na parte de entretenimento"..Tanto entusiasmo pelo que está a passar na sua área, que Dálio quase se esquecia de me apresentar o Hyatt Regency Lisboa . A primeira coisa que sublinhou foi o SPA, que considera "não haver igual em Lisboa". Já a nível de restauração apresenta o local onde estávamos sentados, o Viceseversa, como um conceito de café cosmopolita que serve todos a qualquer hora. "É um grand cafe à maneira de Nova Iorque, onde um punk, um rocker, um político e um executivo se podem juntar"..Já a finalizar a conversa Dálio Calado conta que em julho irá abrir, no hotel, um restaurante de assinatura com um chef português e comida do mundo para partilhar, e já em abril estreia o rooftop, com uma vista para o Tejo que não se cansou de adjetivar. Apesar da pressa e da ditadura do relógio e o voo para apanhar dali a minutos, à boa maneira portuguesa, convida-me para subir e num instante o espaço no topo do hotel para ver o rio. Não são 20 anos nos Estados Unidos que o fizeram esquecer como meter o Rossio na Betesga. Talvez uma qualidade essencial no mundo da hotelaria..filipe.gil@dn.pt