A NATO e os desafios do futuro
ANATO é a Aliança político-militar mais bem-sucedida da história e a garantia da defesa do território aliado e da segurança e liberdade de 950 milhões de cidadãos. A permanente utilidade da Aliança Atlântica, ao longo dos últimos 70 anos, advém da sua capacidade para identificar os desafios do futuro e de se adaptar e transformar, mantendo a solidariedade e a coesão entre os aliados.
Dos iniciais 12 membros fundadores, entre os quais Portugal se inclui, a Aliança foi sucessivamente crescendo até alcançar os atuais 30 países, conseguindo proporcionar um clima de paz na Europa e na América do Norte, que viabilizou um nível de progresso e bem-estar das sociedades ocidentais sem igual, baseado nos valores comuns da democracia, da liberdade individual, dos direitos humanos e do Estado de direito.
A inclusão de Portugal no núcleo fundador serviu, sem dúvida, os interesses geoestratégicos da NATO, nomeadamente pela situação geográfica do território nacional, com vantagens excecionais para controlo do Atlântico, conferidas pelo triângulo formado pelo Continente e pelos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Todavia, também salvaguardou os interesses nacionais, pelo contributo para a segurança dos portugueses, e pelas vantagens políticas de uma clara opção transatlântica. Para além disso, potenciou a capacitação operacional das Forças Armadas, através da sua modernização e do aumento da sua interoperabilidade com as congéneres aliadas, tanto pela adoção de procedimentos padronizados nas áreas da doutrina, organização e treino, como pela prioridade que suscitou para a obtenção de novos equipamentos e a edificação de infraestruturas militares em território nacional.
Por tudo isto, a NATO tem, de facto, contribuído muito significativamente para o prestígio interno e externo das Forças Armadas e para a credibilidade internacional do país. Por sua vez, Portugal tem sabido honrar o compromisso assumido em 1949, desenvolvendo as suas capacidades de defesa para fazer face às ameaças atuais e emergentes, nos diferentes domínios das operações, no mar, em terra, no ar e no ciberespaço.
Ao longo destes 70 anos, a NATO foi adaptando a sua estratégia, passando de uma postura essencialmente assente na dissuasão da ameaça a leste, para outra mais abrangente, incluindo o empenhamento político-militar fora do território aliado, em missões de gestão de crises e de segurança cooperativa, promovendo parcerias para a paz, sem nunca descurar a tarefa essencial, que esteve na base da sua criação, a defesa coletiva. Esta adaptação, bem patente no conceito estratégico aprovado em Lisboa, em 2010, foi imprescindível para garantir a relevância da Aliança Atlântica no pós-guerra fria, sobretudo no período que se seguiu aos ataques do 11 de setembro, dando resposta, em cada momento, às preocupações de segurança das populações aliadas.
Numa organização onde as decisões são tomadas por consenso, é verdadeiramente notável a capacidade de adaptação aos crescentes desafios de segurança, impostos por uma conjuntura global mais dinâmica, incerta e imprevisível.
Dessa conjuntura, destacam-se, atualmente, quatro tendências estratégicas, com fortes implicações securitárias, que a pandemia da COVID-19 contribuiu para acentuar:
A primeira diz respeito ao aumento da confrontação geopolítica da China e da Rússia com o Ocidente, que obrigará a NATO a crescentes intervenções dentro e fora das suas fronteiras, na tentativa de mitigar a expansão estratégica desses dois atores, incluindo no ciberespaço e no espaço.
A segunda relaciona-se com a exploração maliciosa da dimensão informacional, traduzida no aumento da desinformação, bem como na intensificação dos ciberataques, que exploram a maior dependência da sociedade em relação à Internet, fatores que exigirão da Aliança uma atuação permanente no domínio do ciberespaço e uma estratégia de comunicação efetiva.
A terceira incide no crescimento da pobreza e da instabilidade, especialmente em áreas de interesse para os países da Aliança, facilitando o recrudescimento do terrorismo e do crime organizado, que obrigará a NATO a manter-se ativa no domínio das parcerias e da segurança cooperativa.
A quarta e última tendência é a maior prioridade que a comunidade internacional atribuirá à relação do Homem com a Natureza e, consequentemente, à sustentabilidade ambiental, à segurança sanitária e ao combate às alterações climáticas, tornando mais premente a necessidade de cooperação entre os aliados, para além do domínio estritamente militar.
Tendo presente a amplitude e a natureza difusa dos riscos e ameaças associados a estas quatro tendências estratégicas, assim como as inevitáveis alterações geopolíticas que decorrerão da crise global provocada pela atual pandemia, a capacidade da NATO se adaptar e transformar será, novamente, o fator-chave para que consiga continuar a responder, com sucesso, aos futuros desafios, mantendo a abordagem solidária e coesa de 360º e reforçando a ligação das Forças Armadas aos cidadãos.
Esse processo de adaptação e transformação implica manter a superioridade no domínio tecnológico, reforçar a segurança energética e incrementar a resiliência e a sustentabilidade das nossas sociedades. Passa, também, por garantir a segurança das comunicações, tirando partido das tecnologias emergentes, como o 5G, e por robustecer a capacidade de operar no espaço e no ciberespaço, ambientes operacionais cada vez mais importantes. É, ainda, imprescindível aumentar a capacidade de defesa contra ataques híbridos, que tentam subverter as nossas sociedades, a sua segurança e os seus valores fundamentais, sem ultrapassarem o limiar da agressão que levaria à invocação do artigo 5.º.
Por fim, e face ao aumento da confrontação geopolítica, a adaptação e transformação da NATO implica reforçar a sua missão primária de defesa coletiva na região euro-atlântica, em que os Açores adquirirão enorme relevância para a segurança das linhas de comunicação, para a proteção dos cabos submarinos que transportam as comunicações telefónicas e de internet, e para a mobilidade militar entre a América do Norte e a Europa, fatores essenciais para a preservação do elo transatlântico.
É neste contexto que se realça a criação do Atlantic Centre, na Ilha Terceira, uma iniciativa do governo português, que visa congregar esforços internacionais por todos os países que partilham o espaço atlântico, no sentido de promover a sua segurança e sustentabilidade. Este centro contemplará um fórum de reflexão, uma plataforma de diálogo político e um centro de formação e capacitação de parceiros no domínio da segurança e defesa, contribuindo para a projeção de estabilidade além-fronteiras, que também tem sido um dos vetores da adaptação da NATO aos novos desafios de segurança global.
A capacidade de identificar os desafios do futuro e de se adaptar e transformar, garantindo a solidariedade e a coesão entre os aliados, continuará, por isso, a ser o fator fundamental para a preservação do estatuto da Aliança Atlântica enquanto ator global, ímpar e insubstituível.
Almirante, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas