A muralha e a guarita do Baluarte do Livramento não têm asas para voar

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A Agência Portuguesa do Ambiente realizou, no passado dia 26 de Maio, uma sessão de esclarecimento sobre o projecto do "Prolongamento da Linha Vermelha, entre São Sebastião e Alcântara, do Metropolitano de Lisboa", integrada na Consulta Pública do processo de Avaliação de Impacte Ambiental, no Auditório do Metropolitano de Lisboa, na estação do Alto dos Moinhos.

Impossibilitado de participar nessa importante reunião, por motivos de saúde, não posso deixar de prestar o meu modesto contributo, expressando a minha opinião, apenas em relação ao Baluarte do Livramento e à guarita, sobretudo, por se encontrarem em Lisboa e fazerem parte do espaço onde está sediada a Associação Casa de Goa.

Tendo nascido em Pangim, Goa, antigo Estado Português da Índia, onde vivi a minha primeira vintena de anos, desde que a Casa de Goa ocupou aquele lindo espaço lisboeta, há mais de trinta anos, sendo seu sócio fundador e frequentador assíduo daquela área citadina, em cada ano que foi passando, em cada mês que foi voando e em cada dia que fui vivendo, o meu amor pela cidade de Lisboa e por Portugal continental, foi sendo sentido, passo a passo em crescendo, vindo a ganhar raízes firmes e profundas, suportadas por dois pilares sólidos e poderosos, coesa e consistentemente interligados entre si por uma forte corrente osmótica: a muralha do Livramento e a sua encantadora guarita.

Aquele belo conjunto harmonioso foi reabilitado, criteriosamente, pela própria Câmara Municipal de Lisboa, há pouco mais de três décadas, em função do espaço circundante e da estrutura do Baluarte.

É partilhado, irmãmente e em cumplicidade, com a Associação Casa de Goa, a qual faz jus ao seu nome, deixando bem vincado que representa o glorioso passado cultural português, centralizado em Goa, como antiga capital do Império Português do Oriente. Por sua vez, a muralha e a guarita replicam, orgulhosamente, dizendo que nas guerras de Restauração da Independência (1640-1668), por fazerem parte da linha defensiva da cidade de Lisboa, graças ao seu inesquecível e inestimável contributo, ficou garantida a defesa da cidade e a independência de Portugal.

A esse propósito, contaram-me que, na citada sessão de esclarecimentos, os representantes do Metro de Lisboa defenderam, de forma serena e até com alguma soberba, a versão inicial do projecto, dando a entender que essa versão era a melhor opção para o prolongamento da Linha Vermelha por ser aquela que eles queriam e, como tal, era assim que iria acontecer.

Essa posição altaneira, embora tomada de forma correcta e educada, causou forte indignação de muitos dos presentes, que apelidaram a reunião de autêntico simulacro de consulta pública e falsamente democrática, pois, afirmaram, os representantes do Metro não estavam interessados em ouvir qualquer opinião dos participantes já que, como era fácil de deduzir, a decisão final tinha sido previamente tomada.

Indiferentemente de saberem que o projecto inicial, a ser concretizado, irá suprimir e, muito possivelmente, desfigurar uma grande parte da muralha do Baluarte do Livramento e a histórica guarita, - pois uma parte da muralha, na área em que o túnel e o viaduto se encontrarem, será amputada, definitivamente, e a outra parte será supostamente "desmontada" para, segundo dizem, posteriormente, ser reconstruída e reforçada estruturalmente -, apresentaram o projecto, sem mencionar qualquer alternativa, como se fosse um facto consumado.

Comportaram-se como autênticos donos da verdade e senhores da cidade de Lisboa!

Recentemente, face ao tiroteio numa escola primária da cidade de Uvalde, no estado norte-americano de Texas, que causou a morte de 21 pessoas, incluindo 19 crianças, Joe Biden, Presidente da República dos Estados Unidos da América, país mais rico e poderoso do mundo, questionou indignado e cheio de emoção:

- "Como nação, temos de perguntar: - quando, em nome de Deus, vamos enfrentar o "lobby" das armas?"

Se o próprio Presidente da República Americana se sente impotente para enfrentar os poderosos interesses instalados, não é difícil imaginar como é que o nosso governo e a Câmara Municipal de Lisboa não sentirão também uma forte pressão do poder, das maiores empresas portuguesas e internacionais, quando decidem sobre os mais diversos assuntos nacionais.

Longe de mim equiparar o Metro de Lisboa ao lobby americano mas, por ter defendido o seu projecto inicial como um facto consumado, não só revela possuir uma forte determinação como mostra, também, estar salvaguardado por uma poderosa força de apoio.

Sei que, naquela reunião, disseram que a obra vai trazer alegados benefícios públicos e que os fundos comunitários têm prazos limites para serem utilizados, todavia só peço aos autores do projecto inicial que prossigam a obra, procurando uma solução alternativa, que permita salvar, integralmente e no mesmo local, a muralha do Livramento e a guarita.

Recordo que no passado, quando as gravuras rupestres do Vale do Côa pareciam estar condenadas a serem engolidas pelas águas, foram salvas pelo célebre slogan "As gravuras não sabem nadar".

Por minha parte, tomo a liberdade de relembrar aos amantes da História de Portugal que a muralha e a guarita do Baluarte do Livramento fazem parte do Património Nacional e da memória colectiva lisboeta e de Portugal.

Defender a sua manutenção e preservação, de forma integral e no mesmo local, é um imperativo Nacional!

Quem se focaliza na resolução e não no problema, encontra sempre a solução para resolver as suas dificuldades.

Por não aceitar factos consumados, enquanto as obras do Metro não forem realizadas, e por entrarmos na fase crucial da tomada de decisão, em nome daquele monumento nacional, que não sabe defender-se e muito menos falar, suplico a ajuda de todos os portugueses, recordando que o Baluarte do Livramento e a guarita não têm asas para voar.

Historiador

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