Lançamento da obra realiza-se hoje na livraria da editora. Às 18.30.Oito cadernos escritos numa letra fina, fechada em si mesma, difícil de ler. Um diário somente revelado na década de 80. Páginas e páginas que contam a história de uma judia holandesa, e da sua experiência existencial, que acabará por morrer em Auschwitz, em Novembro de 1943.. São esses textos que a editora Assírio & Alvim vai publicar na colecção "Teofanias", sob a direcção de Tolentino Mendonça, também autor do prefácio. O lançamento realiza-se hoje, às 18.30, na Livraria Assírio & Alvim (Rua Passos Manuel, 67 B) com a presença do poeta, de Esther Mucznik e de Nélio Pita..Etty tem 28 anos e chega, a 30 de Julho de 1942, ao Campo de Westerbork enviada a seu pedido, pelo Conselho Judaico. Nesse tempo, entrava e saía, levava e trazia notícias de amigos ou familiares, providenciava medicamentos, roupas, livros. Um ano depois, deixa a organização e regressa aquilo que chamou de "centro da dor judaica", incapaz de abandonar os que já lá estão e os que estão para vir. O presente e o futuro.."Coração pensante" o seu que reflecte, mais do que descreve, uma via crucis, a dos outros e a sua, a dor plúmbea, insuportável . Cenário: um orfanato, uma sinagoga, uma pequena capela mortuária, uma sala de teatro, várias religiões. Antecâmara da deportação e da morte. O horror e, ainda assim, a vida ardente..De Etty e do seu pensamento (que ultrapassa, em muito, o judaísmo) sobre o mal, a condição humana, a espiritualidade) fala-nos Maria Filomena Molder num ensaio notável intitulado "O coração pensante e a faculdade de julgar" (Intervalo 2, 2005), no qual confronta o seu pensamento com o de Hannah Arendt, considerando que "uma das chaves do segredo daquela mulher" passa por "não querer participar, para além da sua condição de vítima real, subjugada, acossada, no grande processo de autovitimização.".Não quer ser vítima, Etty, não cedendo por isso ao "olhar da crueldade do carrasco, infame e insensível." Leitora de Santo Agostinho e de Rilke, sabe que a morte se aproxima, mas quer compreender: "A vida, a morte, o sofrimento e alegria, as bolhas nos pés, as atrocidades sem número, tudo está em mim e forma um conjunto poderoso, se o aceitar como uma totalidade indivisível e começo a compreender cada vez melhor - para meu próprio uso, sem o poder ainda explicar aos outros - a lógica desta totalidade." (Diário, 1942).Etty sabe que, renunciando ao desejo, pode renunciar a tudo, e reconhece, como diz Molder, que, mesmo na diluição dos passos sobre a neve, "a poesia está para aquém do julgamento", não tendo a ver com "a indiferença ou o narcisismo, mas com o acumular de um tesouro para o pôr a render": "Só um poeta poderia fazer-nos ver o que ela estava a ver, só um exercício de renúncia poética (...) lhe permitiu não se enganar sobre a realidade que era forçada a viver.".Não será por acaso que Tolentino a aproxima de uma outra pensadora e mística, Simone Weil. Contemporâneas, judias, "debateram-se por salvaguardar o sol interior num século de horas sombrias, escritoras, ambas consumando até ao fim (ou mais para lá do fim) um destino de aniquilamento como se de uma incrível aventura espiritual se tratasse.".Simone e Etty morrem no mesmo ano, a primeira num hospício inglês, "como se expirasse entre as vítimas", na frente mais exposta de um combate", e segunda num campo de concentração, para o qual partiu cantando." Na sua imensa claridade, dizia: "Tentarei ajudar-vos, Deus, a impedir o declínio das minhas forças!"