A mulher que canta jazz temperado com batidinha
Uma cantora pode equivocar-se, duas correm o risco de errar, três ainda se admite que falhem - todas é que não. Para onde se aponta com uma verdade tão óbvia? Para o momento em que as grandes damas do jazz parecem descobrir que os respetivos fraseados, para não falar dos reportórios, lucram desmedidamente com uma boa piscadela de olho à bossa-nova.
E, já agora, com o alinhamento de um certo António Carlos Jobim ao lado dos infalíveis mestres dessa bíblia cheia de variantes que é o Great American Songbook. Cole Porter, sempre. Irving Berlin, George Gershwin e o irmão, Ira, Rodgers e Hart, Johnny Mercer, Hoagy Carmichael, Jerome Kern, Sammy Cahn, Harold Arlen, até Henry Mancini, também. Mas há um não-sei--quê em Jobim que o torna insubstituível e que permite às dominadoras dos palcos e às campeãs dos discos um alargar de horizontes que pode significar a distância entre o muito bom e o sublime.
Dir-se-ia que só Bessie Smith e a eterna Billie Holiday não chegaram a tempo. Aquele que correu a favor de Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan, de Rosemary Clooney a Peggy Lee. Ou das mais próximas de nós, ainda considerando a bitola temporal: Cassandra Wilson, Dianne Reeves, Jane Monheit, Diana Krall. E Stacey Kent, precisamente o exemplar que nos interessa.
Quando recuamos até às primeiras gravações desta norte-americana que há muito se radicou em Inglaterra e levou a Europa a uma paixão sem quebras nem reticências (especialmente a França, com queda para reconhecer talentos e capaz de a condecorar com a Ordem das Artes e Letras), todas contando com o "olho clínico" de Jim Tomlinson, saxofonista desde há muito e marido desde 1991, o timbre reconhece-se de imediato. Um dos trunfos de Miss Kent parte da sensação de maturidade que a sua voz transmite logo em Close Your Eyes, disco de estreia lançado em 1997. A abordagem aos clássicos nunca peca por excesso, mas nunca a mostra receosa - Stacey é daquelas cantoras que preferem entrar de mansinho, entranhando-se a cada verso, a cada refrão, para percebermos no fim que a aproximação, "bem-comportadinha" na aparência, é muito mais eficaz e "subversiva" do que outras, lidas como radicais ou de rutura.