A moral da polícia de género
Mutilação genital feminina, discriminação das mulheres no mundo árabe, "culturas" em que as meninas são vendidas, casam aos 10 anos e escravizadas. Por cá discute-se a existência de livros para meninas e para meninos, conclui-se que a diferença não deve existir e o governo "recomenda" a uma editora privada que os retire do mercado. Rita Ferro Rodrigues escreve que esta censura é um bom começo e recomenda que se denunciem todos os livros "sexistas" que existem nas livrarias. Inês Pedrosa, por sua vez, apela aos aliados para aderirem à sua luta contra as prateleiras dos supermercados onde se diferenciam os brinquedos para meninas e para meninos. É legítimo e até saudável que Rita Ferro Rodrigues e Inês Pedrosa percam tempo com estas coisas: quer dizer que em Portugal há diversidade na parvoíce. E ninguém as pode obrigar a preocuparem-se, a despenderem a mesma energia, em lutas "culturais" contra a mutilação genital feminina, pelos direitos das mulheres e pela igualdade em comunidades religiosas onde estes não existem (exceto na católica que pode levar pancada à vontade). O que já não é legítimo, e chega mesmo a ser arrepiante, é a existência de um poder político capaz de retirar administrativamente livros do mercado por causa da cor das capas e da suposta diferença de dificuldade. Retirar livros do mercado, censurar uma publicação, qualquer que ela seja, é um tique totalitário que é sempre legitimado em nome de uma moral. Uma moral "melhor". E ontem foi o dia em que o governo disse que tem uma moral melhor do que a minha.
O que está verdadeiramente em causa nesta sinistra polémica não são os livros nem a parvoíce das guerras que meia dúzia de pessoas se dedicam a travar, o que está em causa é a liberdade. Liberdade de publicar, de comprar, de ler, de ser contra ou a favor. A "recomendação" do governo é o pé na porta na minha liberdade de poder comprar o livro cor-de-rosa para a minha a filha e na da Rita ou da Inês de poderem mais tarde comprar livros com os quais uma coisa chamada CIG não concorda que se publiquem. É um cadeado na liberdade de uma editora poder publicar o que lhe apetecer tendo em conta a vontade dos consumidores. O que as ineses e as ritas fizeram com esta brincadeira foi dar a chave do cadeado a uma coisa chamada CIG que se dedica a policiar a "moral" de género. E neste policiamento da moral, como se sabe, não se concebe a liberdade. Boa sorte a todos e a todas.